Título: Hollande admite ocupação brutal
Autor: Pedreira, Vinícius
Fonte: Correio Braziliense, 21/12/2012, Mundo, p. 19

Presidente europeu visita ex-colônia, no norte da África, e reconhece violência cometida nos mais de 130 anos de domínio. País é estratégico para a segurança da ex-metrópole

Cinquenta anos após a Argélia conquistar sua independência da França, em 1962, o presidente francês François Hollande concluiu o segundo dia de visitas ao país, ontem, com um discurso de promoção da amizade entre os países. Diante do Parlamento argelino, o líder reconheceu que a colonização francesa foi injusta e brutal, tendo causado grandes sofrimentos aos cidadãos daquele país. “Devemos dizer a verdade sobre as condições em que a Argélia se livrou do sistema colonial, sobre esta guerra, que durante muito tempo não foi chamada pelo nome na França: a Guerra da Argélia”, afirmou, acrescentando: “A paz a que aspiro repousa no conhecimento e divulgação da história.”

O mandatário também lembrou massacres ao longo da colonização e confrontos da guerra de independência que ceifaram a vida de cerca de 300 mil argelinos e 24 mil soldados franceses. “Em 8 de maio de 1945 — data de um grave conflito na região argelina de Setif —, no mesmo dia em que o mundo derrotava a barbárie, com a rendição alemã na 2ª Guerra Mundial, a França ignorava seus valores universais”, disse Hollande.

Para especialistas, o ato marca um passo histórico nas relações bilaterais. “Hollande não tem motivo especial para pedir desculpas. As pessoas não querem se desculpar pelo que aconteceu há muito tempo. Além disso, entra o nacionalismo francês”, comenta o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, Pio Penna Filho.

Os governos dos dois lados tentam virar a página de desconfiança recíproca da traumática guerra de independência. Desde os anos 2000, tentam concluir um tratado de amizade e cooperação. A atitude do chefe de Estado francês, portanto, não é inesperada, quando observada a visita de Laurent Fabius (ministro de Relações Externas), Yamina Nicole Bricq (ministro do Comércio), Manuel Valls (Assuntos Internos), entre outros representantes franceses à Argélia, desde a eleição de Hollande, em maio de 2012.

A estratégia política do presidente difere da postura do seu antecessor, Nicolas Sarkozy, que era visto como hostil aos argelinos por suas políticas de imigração. “Infelizmente, ainda existe essa mentalidade colonialista, mas é fato histórico que a guerra deixou milhões de refugiados”, afirma Pio, lembrando outro ponto delicado das relações bilaterais — o visto para a viagens de argelinos e franceses entre os dois países. Cerca de 700 mil argelinos vivem na França e são emitidos 200 mil vistos por ano, segundo a agência Reuters. “O pedido de um visto não deve ser cheio de obstáculos, nem uma humilhação”, disse Hollande.

A Argélia produz 12 bilhões de barris de petróleo e é o quinto maior exportador de gás natural para a Europa, fornecendo para França, Itália, Espanha, Reino Unido e Alemanha. Portanto, as declarações acontecem em um momento no qual a França busca parcerias estratégias e acordos bilaterais com a Argélia, como a construção de uma montadora de carros francesa na ex-colônia, com capacidade de produção de 75 mil automóveis por ano, e apoio para uma possível ação militar contra grupos terroristas em Mali, cujo governo perdeu o controle do norte do país.

Para Susi Dennison, membro do Conselho Europeu de Relações Exteriores, em entrevista ao Correio, a Argélia é um jogador-chave na segurança da região e para além dela (o compartilhamento de informações de inteligência, por exemplo, é visto como crucial pelos EUA e França). “Por ter experiência no combate à Al Qaeda no Maghreb Islâmico (organização terrorista de origem argelina, criada em 1997), é vista como essencial para lidar com terrorismo na região”, analisa.

Luta sangrenta

Em poder da França a partir de 1830, após violentos confrontos, a Argélia, país do norte da África, viveu 132 anos de colonização. Apenas após a 2ª Guerra Mundial, com o crescimento do espírito anticolonialista, os argelinos voltaram a sonhar com sua emancipação. Depois de Índia, Líbia, Tunísia, Marrocos e outros países vizinhos conseguirem sua liberdade, o país entrou em uma sangrenta guerra de oito anos (1954-1962) com a metrópole europeia por sua independência.