Correio braziliense, n. 20825 , 29/05/2020. Política, p.3

 

Ameaça velada ao Supremo

Alessandra Azevedo

29/05/2020

 

 

A semana de críticas do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) chegou ao ápice, ontem, quando ele usou palavrões para reclamar de integrantes da Corte e foi enfático ao dizer que não vai mais tolerar “a atitude de certas pessoas individuais” e “decisões monocráticas”. Em tom de ameaça, o chefe do Palácio do Planalto cobrou mais “respeito” entre as instituições e, ao mesmo tempo, sinalizou que o Poder Judiciário é o grande vilão do governo federal no momento, sobretudo pelo fato de o Supremo ter fechado o cerco a ele, a ministros e ao grupo ideológico que o promove nas redes sociais.

“Ninguém mais do que eu, cada vez mais, tem demonstrado que tem compromisso com a democracia, com a liberdade. Agora, as coisas têm limite. Ontem (quarta-feira) foi o último dia. Eu peço a Deus que ilumine as poucas pessoas que possam se julgar melhor e mais poderosas do que os outros, que se coloquem no seu devido lugar. Respeitamos os demais Poderes, mas não abrimos mão que nos respeitem também”, esbravejou Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada.

“Não podemos falar em democracia sem um Judiciário independente, sem um Legislativo independente, para que possa tomar decisões, não monocraticamente, por vezes. Que tomem, mas de modo que seja ouvido o colegiado. Acabou, p.! Me desculpem o desabafo. Acabou. Não dá para admitir mais a atitude de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações”, concluiu.

Bolsonaro também reclamou que “não pode um processo começar em cima de um factoide”, em cima de uma fake news”. “Inventaram o nome ‘Gabinete do Ódio’, uns acreditaram e outros foram além e abriram processo no tocante a isso”, disparou. Ele comentou, também, que “ordens absurdas não se cumprem”. “Com todo respeito que eu tenho a todos os integrantes do Legislativo, do Judiciário, do meu próprio Poder, invadir casa de pessoas inocentes submetendo a humilhações perante esposa e filhos é inadmissível”, protestou. “Mais um dia triste na nossa história, mas o povo tenha certeza: foi o último dia triste. Nós queremos a paz, a harmonia, a independência, o respeito e a democracia acima de tudo. A liberdade de expressão é algo sagrado entre vocês (imprensa) e também entre a mídia alternativa.”

Relator do inquérito que apuras as acusações de Moro, o decano do STF, Celso de Mello, foi acusado pelo chefe do Planalto de culpado pela crise política gerada após ele ter permitido a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. “Ele levantou o sigilo secreto de uma sessão. A responsabilidade do que se tornou público não é de nenhum ministro, é do ministro Celso de Mello. A responsabilidade de tornar público aquilo é de quem suspendeu o sigilo de uma sessão cujo vídeo foi chancelado como secreto”, disparou Bolsonaro.

Inquéritos

Bolsonaro disparou contra os inquéritos que tramitam na Corte para investigar disseminação de fake news e para apurar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que ele tentou interferir politicamente na Polícia Federal.

Frase

“Nunca tive a intenção de controlar a PF, pelo menos isso serviu para mostrar ontem (quarta-feira). Mas, obviamente, ordens absurdas não se cumprem, e nós temos de botar um limite nessas questões”

Jair Bolsonaro, presidente da República, sobre a operação da PF

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Maia diz que declarações são "muito ruins"...

Alessandra Azevedo

29/05/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou, ontem, as falas do presidente Jair Bolsonaro contra a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, as declarações são “muito ruins”, prejudicam o diálogo entre os Poderes e geram insegurança.

Maia lamentou a postura do presidente, que, na visão dele, vai “no caminho contrário de tudo o que a gente começou a construir, todos os poderes juntos, desde a semana passada”. Mais cedo, ao chegar no Palácio da Alvorada, Bolsonaro afirmou que “ordens absurdas não se cumprem” e que “temos de botar limites”, em referência a decisões do STF.

O motivo da exaltação do presidente é o andamento do inquérito aberto pelo STF para apurar a disseminação de notícias falsas. Estão na mira políticos, blogueiros, ativistas e empresários bolsonaristas, além do ministro da Educação, Abraham Weintraub, convocado a prestar depoimento. Na quarta-feira, a Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão em endereços de suspeitos.

Ataques ao STF, neste momento, são “completamente desnecessários e só prejudicam o país”, considerou Maia, na entrevista coletiva. “Qualquer cidadão pode recorrer de decisão de qualquer ministro do STF, mas tem de ser pelos caminhos legais, não pela forma de tentar intimidar ou acuar outro poder sobre as decisões que toma”, pregou.

Para o presidente da Câmara, a convocação de Weintraub, à qual o chefe do Executivo se opõe, “precisa ser respeitada”. “A gente não pode ir contra uma decisão do Judiciário porque foi contra um aliado nosso. Precisam ser respeitadas. O governo tem o direito de criticar, (mas) o tom é ruim, o tom é excessivo”, afirmou Maia, em entrevista à Rádio Tupi, ontem, antes da coletiva.

Apesar de ter rechaçado as declarações de Bolsonaro, que se exaltou com jornalistas, o deputado não crê que a instabilidade gerada por ele possa indicar um golpe de Estado. “Não acredito que chegue a esse ponto, de forma nenhuma”, disse. “As instituições estão garantindo sua independência, com diálogo claro”, afirmou à rádio.

Conforto

Depois, na entrevista coletiva, Maia disse que “o que conforta” é o fato de o Ministério da Justiça ter recorrido ao STF para tentar impedir o depoimento de Weintraub. Embora a atribuição seja da Advocacia-Geral da União, não do ministério, o parlamentar considerou um bom sinal. “As declarações de hoje (ontem) vão em um caminho que gera insegurança, mas, ao mesmo tempo, há um discurso e uma decisão prática”, enfatizou.

Na interpretação de Maia, o pedido sinaliza que o Executivo respeitou a decisão do STF. “Acho importante o governo recorrer oficialmente. Cabe ao Supremo, agora, decidir sobre o pleito ou não. Claro que o correto é vir da AGU. O governo decidiu, não sei embasado em que lei, mas, pelo menos, o que me dá algum conforto é que há algum pedido formal relacionado à frase mais dura do presidente”, comentou.

...E Alcolumbre pede moderação a Bolsonaro

 

 

Diante do acirramento da crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, coube ao chefe do Legislativo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), o papel de bombeiro para tentar apaziguar os ânimos. O parlamentar foi ao Palácio do Planalto dizer ao mandatário do Executivo ser preciso “pacificar o país” e que os confrontos diários não levam a lugar algum. Como resposta, ouviu mais reclamações sobre a atuação de ministros da Corte.

O encontro, fora da agenda, ocorreu horas após Bolsonaro ameaçar descumprir decisões do STF. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, a reunião teve momentos tensos e, inicialmente, contou com a participação dos ministros André Mendonça (Justiça) e José Levi (Advocacia-Geral da União).

Antes de se reunir com Bolsonaro, Alcolumbre conversou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ministros do Supremo. O recado que levou ao presidente foi de que algumas atitudes do chefe do Executivo têm causado desconforto, como a participação frequente nos fins de semana em atos que pedem o fechamento do Congresso e do STF.

O Presidente do Senado também relatou a Bolsonaro que, mais uma vez, houve incômodo com a conduta do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, na quarta-feira, comparou uma operação contra apoiadores do presidente ao nazismo. A comunidade judaica reagiu ontem. Alcolumbre é judeu.

 

Pontes

O encontro com o Alcolumbre fez parte de um esforço, que envolveu também ministros do próprio governo, para reconstruir pontes com o Supremo. A avaliação é de que os ataques que o presidente faz aos ministros Alexandre de Moraes e Celso de Mello atinge todos os demais integrantes da Corte, sugerindo que poderia partir do colegiado uma resposta coletiva.

“O Congresso atua em prol do Brasil, como intermediário na construção da paz, e em favor dos brasileiros, nesta quadra difícil da história nacional”, publicou Alcolumbre, no Twitter, no início da noite de ontem.

 

 Tuíte de Weintraub causa repúdio

A comparação que o ministro da Educação, Abrahan Weintraub, fez da ação da Polícia Federal pelo inquérito das fake news, quarta-feira, com a Noite dos Cristais –– que marcou oficialmente a perseguição e expurgo aos judeus na Alemanha hitlerista –– provou protestos generalizados da comunidade judaica. A embaixada de Israel publicou nota pedindo que não se use o holocausto em discursos ideológicos. Já o cônsul geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, repudiou o tuíte de Weintraub. “Esse episódio (Noite dos Cristais) jamais poderá ser comparado com qualquer realidade política”. O Comitê Judaico Americano pediu o fim do uso político do holocausto por autoridades do governo. “Chega! O reiterado uso político por oficiais do governo brasileiro é profundamente ofensivo”. Weintraub rebateu-os afirmando ter direito de falar do holocausto porque tem avós sobreviventes dos campos de concentração.