Correio braziliense, n. 20826 , 30/05/2020. Política, p.4

 

Os afagos de Bolsonaro a Aras

Augusto Fernandes

30/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Com série de atitudes, presidente busca aproximação maior com o procurador-geral, a quem caberá, eventualmente, denunciá-lo ou não em inquérito sobre tentativa de manipulação política na corporação

O "amor à primeira vista" declarado pelo presidente Jair Bolsonaro a Augusto Aras, na cerimônia de posse do procurador-geral da República, em outubro de 2019, deu início a uma série de acenos do mandatário ao chefe do Ministério Público Federal (MPF). E o PGR tem retribuído o cortejo do comandante do Planalto, o que levou quase 600 procuradores a assinarem, ontem, um manifesto pedindo a independência do MPF.

Apenas nesta semana, Bolsonaro fez afagos a Aras em, ao menos, três oportunidades. Na segunda-feira, encontrou uma brecha na agenda pessoal e quebrou as recomendações de distanciamento social para apertar a mão do PGR durante a posse do novo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena. Na quinta-feira, disse que o PGR "está tendo uma atuação excepcional" e disse que ele pode ser indicado para o STF, caso surja uma terceira vaga para a Corte — até 2022, os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello deixarão o tribunal. Por fim, ontem, condecorou Aras com a Ordem do Mérito Naval, destinada a premiar militares que prestaram relevantes serviços à Marinha.

Escolhido por Bolsonaro fora da lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Aras vem sendo alvo de críticas no MPF por tomar medidas pró-governo, como o pedido, feito na quarta-feira, para o STF suspender o inquérito das fake news, que atinge políticos, empresários e blogueiros bolsonaristas.

Em outra atitude controversa, o PGR, ao pedir a abertura de inquérito para apurar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, mirou, também, o ex-juiz — se ele não provar suas declarações, corre o risco de ser enquadrado por denunciação caluniosa e crime contra a honra. Nessa mesma investigação, Aras manifestou ao STF ser contra a apreensão do celular de Bolsonaro, um pedido feito por partidos políticos.

Ao longo das apurações, o PGR poderá ser provocado pelo Supremo a se posicionar sobre medidas relacionadas ao presidente, como um pedido para prestar depoimento. No fim da colheita de provas, caberá a ele denunciar ou não o chefe do Executivo.

Também gerou polêmica o pedido dele para investigar ato antidemocrático convocado contra a Corte, em abril, mas sem mencionar Bolsonaro, que até discursou na manifestação.

Independência
Diante das atitudes de Aras, pelo menos 590 dos aproximadamente 1.150 integrantes do MPF deram aval a um apelo da ANPR para que a lista tríplice seja considerada obrigatória na escolha de um PGR. O manifesto será entregue ao Congresso com o pedido para que seja aprovada uma emenda constitucional que atenda ao pleito dos procuradores.

"Considerando que cabe ao PGR investigar e acusar criminalmente o presidente da República, seria certamente mais adequado, partindo do princípio do fortalecimento institucional e da independência de atuação, que a lista fosse respeitada no âmbito do Ministério Público Federal", diz trecho do manifesto. (Com Agência Estado)

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

PF quer tomar depoimento do presidente

30/05/2020

 

 

Ao pedir um prazo maior para concluir o inquérito que apura suposta interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal, a delegada Christine Machado afirmou que um dos próximos passos da investigação deveria ser tomar o depoimento do presidente. Na solicitação, encaminhada ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ontem, a delegada disse precisar de mais 30 dias para concluir os trabalhos.

O inquérito foi aberto a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, depois que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusou Bolsonaro de pressionar para a troca de cargos-chave na PF por estar preocupado com familiares e amigos.

O ex-ministro já prestou depoimento, apresentando trocas de mensagens pelo celular com Bolsonaro como prova das acusações. Outra evidência analisada no caso é a reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente afirmou que ia interferir na corporação.

A declaração de Bolsonaro gerou duas versões. Enquanto Moro enfatiza que se trata da prova de interferência ilegal na corporação, o presidente assegura que se referia à segurança de seus familiares, e não da PF.