Correio braziliense, n. 20826 , 30/05/2020. Economia, p.8

 

Consumo perde R$ 77 bi

Marina Barbosa

30/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Consumo perde R$ 77 biQueda de 2% nos gastos das famílias no primeiro trimestre é a maior desde 2001, quando o país enfrentou racionamento de energia elétrica. Para economistas, retração deve ser mais intensa no segundo trimestre, pois o brasileiro tem gasto apenas com o essencial

O consumo das famílias foi o grande motor da economia brasileira nos últimos anos. Mas, desta vez, caminha para ser o vilão do Produto Interno Bruto (PIB). A pandemia do novo coronavírus, que provocou desemprego e queda de renda, afetou duramente o orçamento das famílias. Em consequência disso, o consumo familiar caiu 2% nos três primeiros meses do ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico (IBGE). Foi o maior recuo desde o apagão do setor elétrico, em 2001, quando houve racionamento de energia.

O consumo das famílias representa mais de dois terços do PIB, quando a medido pela ótica da demanda, por isso, sustentaram o ritmo de crescimento nos últimos anos. Desta vez, contudo, os brasileiros reduziram os gastos na quarentena, pois estão comprando apenas o essencial, devido ao fechamento do comércio, mas também porque perderam renda ou estão com medo de perder o emprego, segundo explicou a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

Por conta disso, R$ 77 bilhões "sumiram" da conta que representa o consumo das famílias no PIB. O valor despencou de R$ 1,24 trilhão, no último trimestre de 2019, para R$ 1,16 trilhão nos três primeiros meses deste ano. É dinheiro que deixou de ser gasto por trabalhadores como a manicure Luzineide da Silva, 38 anos, que está há mais de dois meses sem atender ninguém por conta do fechamento do comércio e, por isso, cortou todos os gastos que podia para poder fazer a feira da casa em que vive com os três filhos.

"Não fosse o auxílio emergencial, eu estaria sem nada. Ainda assim, precisei fazer cortes e fiquei devendo a casa, o IPTU e o cartão. Compro só o grosso da feira. Os meninos reclamam porque, às vezes, não tem biscoito para lanchar. Mas não dá, é comer o que tem e agradecer", lamenta Luzineide.

Trabalhadores de maior renda, como a publicitária Marianna Rodrigues, 35, também cortaram gastos na crise. "Todos aqui de casa notaram uma redução grande nos gastos com gasolina e entretenimento, porque só estamos saindo de casa para comprar o essencial. Não vamos mais ao cinema ou a um restaurante, nem passamos pelas lojas para comprar outras coisas. E estamos mesmo querendo gastar só com coisas essenciais, porque não sabemos como vai ficar a economia daqui para a frente", contou.

De acordo com economistas, essa tendência não deve se reverter tão cedo. No segundo trimestre, a retração do consumo das famílias será ainda maior e deve bater o recorde da série histórica do IBGE. A contração de 2% do primeiro trimestre pegou apenas os primeiros 15 dias de quarentena e o segundo trimestre terá, pelo menos, 60 dias de isolamento social.

Tanto entre os economistas quanto entre consumidores, já se sabe que o consumo vai ficar mais seletivo, mesmo depois do fim da quarentena, seja por conta das dívidas acumuladas por pessoas como Luzinete, que vai deixar de comprar a geladeira que queria para sair do vermelho, ou das incertezas de Marianna, que adiou o plano de trocar de carro para poder garantir uma reserva de emergência para a crise.

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Setor de serviços será o último a sair

Simone Kafruni

30/05/2020

 

 

Primeiro setor a sentir o baque com a pandemia do novo coronavírus, principalmente no segmento de transporte aéreo e no turismo, os serviços devem ser os últimos a sair da crise provocada pela covid-19. Com queda de 1,6% no primeiro trimestre, segundo divulgou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor puxou o desempenho negativo trimestral do Produto Interno Bruto (PIB) pela ótica da produção.

Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), explicou que os serviços de transportes tiveram queda de 2,4%, mas o segmento mais afetado foi o de outras atividades de serviços, com recuo de 4,6%, todos na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Sobre igual período do ano passado, a retração dos serviços foi de 0,5%.

"O estrago pela crise neste setor será ainda maior no segundo trimestre, mesmo com o processo de flexibilização que começa a ser adotado, porque mudou o comportamento do consumidor. Ele não tem mais confiança e tampouco a mesma renda para usar os serviços", avaliou Bentes.

O economista ressaltou que houve destruição de 860 mil postos de trabalho formais, apenas em abril "Isso é mais do que tudo que foi criado no ano passado. Há queda na concessão de crédito de 16,5% e a prévia da inflação, o IPCA 15, aponta deflação de 0,60%, inédita na série histórica", enumerou. Todos esses indicadores vão carregar os serviços para um segundo trimestre ainda pior. "O comércio ainda consegue escoar estoque, em vendas on-line ou essenciais. Agora, serviços, como turismo e transportes, está tudo parado", assinalou.

Segundo José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o setor de serviços foi o que mais sofreu, principalmente nos transportes e nas atividades ligadas ao mercado imobiliário. "Os efeitos do afastamento social o atingem imediatamente", disse. E acrescentou: "As perspectivas não são boas: de um lado, o afastamento continuou por abril e maio, pelo menos; de outro, o setor não trabalha com estoques, na medida em que seu produto é fortemente perecível. Assim, empresas de serviços, e trabalhadores informais do setor, que perderam no período de afastamento terão dificuldades de sobreviver e se recuperar".

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Guedes pede colaboração 

Marina Barbosa

30/05/2020

 

 

O ministro a Economia, Paulo Guedes pediu colaboração para que o país possa voltar a crescer. Segundo ele, as pessoas não devem "se jogar umas contra as outras" e é preciso que os críticos deem trégua ao governo. "O vírus veio de fora e está atacando o mundo inteiro. É cretino atacar o governo do próprio país, em vez de ajudar em um momento desses. Ninguém quer apoio a erros", afirmou o ministro.

Guedes, que participava de uma vídeoconferência quando os dados vieram a público, delegou à sociedade brasileira a responsabilidade de definir se a saída da crise será rápida, com os gráficos se comportamento na forma de um V, como ele mesmo já chegou a apostar.

"Caímos rápido, e a volta depende de nós mesmos. Eu falo em V porque os sinais vitais da economia estão mantidos. Mas, evidentemente, dependendo de nossa reação, pode ser um U ou pode ser até um L, cair e virar uma depressão. Só depende de nós. Eu prefiro ainda trabalhar com o V. Pode ser um V meio torto? Pode, mas ainda é um V", disse.

Se o comportamento futuro da economia é incerto, o que já aconteceu até agora em decorrência do coronavírus está claro para a equipe de Guedes. "O resultado negativo da atividade econômica no primeiro trimestre, embora esperado, lamentavelmente coloca fim a recuperação econômica em curso desde o começo de 2017", diz nota técnica divulgada pela Secretaria de Política Econômica (SPE).

"Os impactos iniciais da pandemia na economia a partir de março deste ano reverteram os bons indicadores de emprego, arrecadação e atividade do primeiro bimestre, levando a variação do PIB para o terreno negativo", acrescenta a nota. "Os efeitos danosos sobre a saúde da população brasileira e da nossa economia ainda persistem. Dessa forma, o resultado econômico da atividade no segundo trimestre será ainda pior", afirma o documento.

Guedes reconheceu que a economia de usinais de enfraquecimento antes mesmo dos decretos de isolamento social. Porém, se disse preocupado com a duração e o efeito da quarentena. "Quanto mais tempo demorarmos o isolamento social, conceitualmente falando estamos melhorando a saúde, mas estaremos aumentando o impacto dessa onda. Ficando meses com a produção reduzida, você pode entrar em uma recessão e pode, inclusive, virar uma depressão", afirmou.

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Investimento: não dura

Simone Kafruni

30/05/2020

 

 

O crescimento dos investimentos no primeiro trimestre do ano surpreendeu os especialistas, mas não chegou a empolgar, porque certamente não vai durar. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) aumentou 3,1% na comparação com o quarto trimestre de 2019 e de 4,3% ante o primeiro trimestre do ano passado. Foi uma das poucas notícias boas, além da alta de 0,6% da produção agropecuária, trazida pelos dados do PIB, divulgados ontem pelo IBGE.

A elevação dos investimentos reflete, basicamente, o investimento em máquinas e equipamentos do setor de óleo e gás, ressaltou Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating. "O crescimento surpreendeu, mas faz sentido porque investimento é estoque. Entretanto, esses números vão derreter", alertou.

Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners, concorda. "No segundo trimestre, isso vai se perder. Ainda é resultado de operações de óleo e gás e das privatizações realizadas no ano passado", avaliou. Para o economista da XP, Vitor Vidal, a alta da FBCF "foi uma das principais surpresas, ao contrário da expectativa de queda".

No entender de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), o pior impacto será sentido no segundo trimestre. "Houve investimento, resultado dos últimos meses de 2019. Em 2020, a Petrobras cortou 30% do investimento e outras petroleiras vão seguir o mesmo caminho", afirmou.

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Pessimismo na indústria

Vera Batista

30/05/2020

 

 

A indústria vê com pessimismo o cenário para o setor a curto e a médio prazos. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a queda de 1,4% na produção das fábricas no primeiro trimestre reflete apenas parcialmente aos efeitos da pandemia de covid-19, e o período de abril a junho apresentará dados muito piores.

De acordo com o presidente da entidade, Robson Andrade, parte do problema é a ineficácia das medidas adotadas até agora pelo governo para amenizar a crise. "As medidas de aumento do capital de giro implementadas até agora ainda são insuficientes. Se as empresas continuarem com a dificuldade atual de acesso a capital de giro, o número de falências e o consequente aumento do desemprego comprometerão o ritmo de recuperação", avaliou.

"Algumas iniciativas do governo para elevar a liquidez do sistema financeiro, para reduzir o custo e aumentar a oferta de financiamentos já foram adotadas. No entanto, em meio a tantas incertezas, essas medidas se mostram pouco eficazes para impedir a insolvência de um grande número de empreendimentos", completou Andrade.

Guto Ferreira, analista político-econômico da Solomon's Brain, destaca que, levando em consideração que, "em janeiro e fevereiro, o país ficou em negação, acreditando que o vírus não chegaria aqui, a queda trimestral do PIB ficou dentro do esperado". No futuro, "o cenário é claríssimo e já deveria ser admitido pelo governo para que todos pudessem entender e se preparar melhor".

"Com dois trimestres negativos, já estaremos em recessão. O governo deveria apresentar um plano, em vez de focar exclusivamente no discurso otimista. Otimismo não tira ninguém da crise. O que tira é planejamento e trabalho", apontou Ferreira. Ele lembrou que, apesar de representar entre 9% e 11% do PIB, a indústria responde por 30% dos impostos arrecadados pelo governo, e concentra os produtos de maior valor agregado, os maiores salários e os profissionais mais qualificados.