O globo, n. 31678, 30/04/2020. Economia, p. 17

 

Socorro aos estados

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

30/04/2020

 

 

Governo oferece R$ 130 bi. Médicos e enfermeiros não terão salário congelado 

PABLO JACOBSem atrito. Paulo Guedes, participou de entrevista junto com Walter Braga Netto, da Casa Civil. Eles negaram divergências, e o ministro da Economia reiterou que conta com o apoio do presidente

Depois de ser derrotado na Câmara dos Deputados, o governo está perto de fechar um acordo com o Senado para o projeto de socorro a estados e municípios. A mudança representa uma vitória para o governo, que conseguiu emplacar o congelamento de salários de servidores públicos por 18 meses como contrapartida. Serão feitas exceções durante a pandemia para categorias profissionais ligadas diretamente ao combate à doença, como médicos e enfermeiros, que poderiam ser beneficiados com gratificações temporárias. Ainda está em negociação com os parlamentares a inclusão de policiais nesta lista de exceções.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ofereceu um pacote de até R$ 130 bilhões aos governos regionais — entre recursos novos, iniciativas já anunciadas e medidas como a suspensão de pagamentos de dívidas dos entes junto à União, Caixa Econômica Federal, BNDES e organismos internacionais — para reduzir os impactos do coronavírus. Além disso, a proibição de reajuste para o funcionalismo pode gerar uma economia de R$ 100 bilhões em 18 meses para governadores e prefeitos.

—O presidente Davi Alcolumbre (presidente do Senado)é o próprio relator. Vamos injetar R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões para saúde, saneamento, para estados e municípios. Seja merenda escolar, saneamento, transporte público, que têm sido mantidos durante a pandemia —disse o ministro, em transmissão ao vivo com empresários do varejo.

A negociação com o Senado deixa de fora do congelamento as categorias “que estão na rua”, como definiu Guedes. Com isso, poderá haver aumento para o setor de saúde, mas não para outras áreas de estados e municípios. Técnicos do Ministério da Economia explicaram que o projeto permitirá a criação de gratificação temporária aos trabalhadores, desde que ela esteja limitada ao período da calamidade e vinculada a ações de combate à Covid-19. Seria possível, portanto, contemplar médicos e enfermeiros.

—Se nós mandamos R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões extraordinariamente, em alta velocidade, para estados e municípios, esse dinheiro não pode ficar em aumento de salário. Senão estaríamos nos disfarçando sob o manto de uma crise para fazer um excesso eleitoral, no meio de uma crise extraordinária —disse Guedes.

Segundo o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, o debate atual sobre o tamanho da transferência direta aos governos regionais gira em torno de R$ 50 bilhões, R$ 55 bilhões “ou até um pouco mais”. Isso já mostra que o governo cedeu porque a equipe econômica havia proposto inicialmente aos deputados repasses que giravam em torno de R$ 40 bilhões de dinheiro novo.

O ministro foi buscar apoio no Senado depois de a Câmara aprovar medida que prevê que a União compense por seis meses perdas na arrecadação de ICMS (nos estados) e de ISS (nos municípios). Para a equipe econômica, esse modelo seria um “cheque em branco” aos governos locais e representaria um risco fiscal. Na hipótese de a arrecadação com ICMS e ISS diminuir apenas 30% nos meses de abril a setembro deste ano em comparação com o ano passado, o projeto da Câmara teria impacto de R$ 89 bilhões em transferências federais.

PROJETO VOLTA À CÂMARA

O presidente do Senado deve apresentar hoje sua versão do projeto. Ele quer votar o texto no sábado. Raramente o Congresso tem sessões nos fins de semana. Porém, mesmo que os senadores aprovem o texto da forma como defende o governo, a proposta voltará para análise da Câmara. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já fez críticas diretas ao modelo proposto pelo governo, argumentando que ele não é suficiente para fazer frente à crise nos estados.

O plano alternativo do governo federal enfrenta resistência de governos locais. Na avaliação de um técnico do Consefaz, comitê que reúne secretários de Fazenda do país, a discussão “não saiu do lugar”, já que o volume de dinheiro novo envolvido na proposta é semelhante ao que já havia sido considerado insuficiente pelos gestores locais. O governo do Rio afirma precisar dos recursos em maio eque há risco de não conseguir pagar servidores a partir de agosto.

Os estados estão alinhados com os municípios. Na terça feira, a Abrasf, associação que reúne as secretarias de Finanças das capitais, enviou carta a Alcolumbre pedindo a “aprovação da recomposição integral” das perdas na arrecadação de impostos, nos moldes do texto aprovado na Câmara.

Após apreensão do mercado sobre seu futuro e divergências em razão do programa PróBrasil , Guedes iniciou sua fala ontem aos empresários dizendo que tem apoio do presidente Jair Bolsonaro. No fim do dia, apareceu a ola dodo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, no Palácio do Planalto.

—Eu sigo coma mesma energia, coma mesma determinação. O presidente tem me apoiado, as hipóteses com que trabalho têm se mantido —disse Guedes.

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Ministro diz que aumentar gasto seria ‘oportunismo’

30/04/2020

 

 

Guedes descarta plano para ‘novo PAC’, afirma que retomada será com investimento privado e que não há atrito com a Casa Civil

 Depois da polêmica criada com a divulgação de um programa comandado pela Casa Civil da Presidência da República focado em obras públicas para a recuperação econômica, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que o caminho do gasto federal já foi testado e deu errado. Ao criticar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), símbolo das gestões petistas, Guedes afirmou que a retomada virá pelo setor privado.

— A retomada do crescimento virá pelo investimento privado. O caminho do investimento público, o PAC, já foi seguido e já deu errado. Se você cavou um buraco, foi para o fundo do poço, através dessas obras públicas indiscriminadas, a solução para sair do buraco não pode ser cavar mais fundo, repetir a mesma estratégia, fazer um novo PAC — disse Guedes, em transmissão ao vivo com empresários do varejo.

No fim do dia, Guedes apareceu ao lado do ministro da Casa Civil, Walter Braga Net to, e reiterou que seria“oportunismo político” aumentar os gastos agora:

—Seria muita irresponsabilidade fiscal, seria imperdoável para a população brasileira se aproveitássemos uma crise na saúde para transformar seja numa farra eleitoral, seja num protagonismo excessivo, com um ministro ali que queira, para se engrandecer, colocar em risco o próprio governo do presidente.

O ministro da Casa Civil afirmou que nunca houve choque entre os dois nem com o presidente Jair Bolsonaro a respeito do programa:

— Em nenhum momento se pensou em sair do programado, sair do trilho programado pela Economia. Quem dá esse caminho é exatamente, a palavra final, é a Economia, se é possível, se não é possível, e quem decide é o presidente da República.

SEM ‘BATER A CARTEIRA’

Guedes também fez questão de afastar qualquer indício de atrito com o colega:

— Nós temos um excelente relacionamento pessoal. E nos conhecemos há mais tempo até. Nos conhecemos pessoalmente agora, há pouco tempo, mas temos relações bem mais antigas porme iode familiares. A relação extraordinariamente clara, simples, direta.

Após a repercussão, o governo adapta o Pró-Brasil, para dar ênfase ao setor privado.

O programa é defendido por ministros como o da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Semana passada, o governo falou de um programa de R$ 30 bilhões para gerar mais de 1 milhão de empregos.

— Não pode alguém achar que, no momento em que nós fomos baleados, caímos no chão, tá uma confusão danada e temos que ajudar a Saúde, alguém vem correndo, bate a nossa carteira e sai correndo. Isso não vai acontecer —disse o ministro da Economia.

Guedes disse que o chefe da Casa Civil, ao anunciar o Pró-Brasil, reuniu pedidos da Esplanada dos Ministérios, mas os agentes econômicos reagiram:

— A nossa retomada será com saneamento, com transportes, com a infraestrutura, com o marco regulatório do gás, do setor elétrico, com a reforma tributária, com os impostos, com a desoneração do ato de criar empregos.