O globo, n. 31678, 30/04/2020. Especial Coronavírus, p. 8

 

Subnotificaçao da epidemia

Ana Lucia Azevedo

30/04/2020

 

 

Casos no país podem passar de 1,2 milhão, estimam pesquisadores

Considerados os casos subnotificados, o número total de infectados pelo coronavírus no Brasil teria chegado a 1.201.686 na última terçafeira, marca 16 vezes maior que a oficial, segundo análise do portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas e estudantes de várias universidades brasileiras. O dado do governo para 28 de abril é de 73.553 casos e considera somente doentes graves e mortos entre pessoas que sofreram internação.

Esse número de casos (que pode flutuar entre 958 mil e 1,5 milhão) supera o oficial dos Estados Unidos — país mais atingido pela pandemia até agora. Vale ressaltar que os EUA também possuem uma grande subnotificação e, portanto, podem ter ainda um total significativamente maior.

—Falamos de ter ultrapassado em mortos a China, mas estamos em casos totais próximos dos EUA, mesmo tendo dois terços da população americana e tendo começado a sofrer com a epidemia um mês depois — afirma o especialista em modelagem computacional Domingos Alves, líder do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.

Alves sublinha: o distanciamento social de cerca de 50%, ainda que seja insuficiente, reduziu o ritmo do coronavírus no Brasil. Com o enfraquecimento das medidas de distanciamento, os especialistas concordam que a velocidade da epidemia deve aumentar.

—Não estamos nem perto de um pico de casos de doença e morte — destaca o pesquisador.

O portal Covid-19 Brasil, cujas projeções têm se confirmado, alertou para a brutal subnotificação de mortos e doentes graves pelo coronavírus no início deste mês. Em 11 de abril, a modelagem do grupo estimou haver 313.288 infectados, número 15 vezes maior que o oficial naquela data, de 20.727. De acordo com o grupo, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Macapá e Recife deveriam entrar em lockdown, fechamento total.

METODOLOGIA CIENTÍFICA

Para estimar o número de casos de pessoas infectadas no Brasil, os cientistas fazem uma modelagem reversa, com a qual contornam a colossal ausência de dados, uma vez que continua a não haver testagem em massa.

Os pesquisadores empregam como base as mortes notificadas, aplicam a taxa de letalidade da Coreia do Sul e ajustam os números à pirâmide etária do Brasil. A Coreia do Sul é referência por dispor de dados consolidados sobre testagem em massa desde os primeiros casos. Uma descrição completa do método está no site do grupo: ciis.fmrp.usp.br/ covid19/estimativa-de-populacao-infectada.

— Quem quiser que veja a metodologia e questione os dados. Estamos à disposição. Temos total confiança em nossa análise — diz Domingos Alves.