O globo, n. 31678, 30/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Veto ao amigo na PF

30/04/2020

 

 

Moraes impede nomeaçao de Ramagem, e Bolsonaro vai insistir

PABLO JACOB/29-04-2020Posse. O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Luiz Mendonça, abraça o presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Planalto; novo titular da AGU também assumiu o cargo ontem

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes impediu ontem a posse de Alexandre Ramagem como novo diretor geral da Polícia Federal e apontou “desvio de finalidade” na nomeação. Ramagem é amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro e foi indicado após a demissão de Maurício Valeixo, mudança que fez Sergio Moro deixar o ministério da Justiça acusando o presidente de interferir na PF. Bolsonaro deu posse a André Luiz Mendonça na pasta da Justiça ontem e na cerimônia disse que vai insistir por Ramagem.

A Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou uma nota descartando qualquer recurso, mas Bolsonaro disse no fim do dia que ordenou a apresentação de contestação no Supremo, ressaltando ser ele “quem manda”. Após a decisão do STF, o governo cancelou a posse de Ramagem, que estava prevista também para ontem e publicou no Diário Oficial ato que torna sem efeito a nomeação. O ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral, informou que o ato foi apenas para cumprir a decisão judicial. Ramagem, com isso, volta por ora para a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Moraes atendeu a um pedido feito pelo PDT. A legenda sustentou que a nomeação de Ramagem corroborava as acusações de Moro, investigadas na própria corte. “Analisando os fatos narrados, verifico a probabilidade do direito alegado, pois, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, escreveu o ministro em sua decisão.

Na avaliação dele, o próprio Bolsonaro confirmou parte das acusações “ao afirmar que, por não possuir informações da Polícia Federal, precisaria ‘todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas’”.

O ministro frisa não ser papel da Polícia Federal atuar como “órgão de inteligência da Presidência da República”. Moraes também cita trecho da conversa mantida entre Moro e Bolsonaro por telefone, divulgada pelo Jornal Nacional, na qual o presidente indica que a troca no comando da PF teria relação com aliados seus investigados em um inquérito no Supremo que apura ataques virtuais a ministros da Corte. Moraes é o relator desta investigação.

A decisão, porém, dividiu o STF. A avaliação de parte dos integrantes do tribunal é a de que Moraes levou para a Corte um problema que não era dela, inclusive abrindo brecha para ataques ao STF e q que fosse retomada a discussão sobre interferência do Judiciário em outros Poderes. Para uma ala, num momento em que o ambiente político está sob clima de extrema tensão, o Supremo deveria se manter distante de discussões inflamadas — como a nomeação de Ramagem.

Horas depois da decisão, o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes compareceram à cerimônia de posse do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, no Planalto. Apesar dos dois terem ocupado a Advocacia Geral da União, cargo que Mendonça transferiu também ontem a José Levi Mello, a presença de ambos foi uma sinalização a Bolsonaro de que a decisão de suspender um ato presidencial não foi da instituição, mas uma medida monocrática, como o próprio presidente destacou em sua fala na cerimônia.

Caso Bolsonaro decida recorrer da decisão de Moraes, a definição cabe ao plenário do Supremo. Embora parte da Corte entenda que, ao revogar a nomeação de Ramagem, não há espaço para discussão no tribunal, o Planalto enxerga uma brecha jurídica—a revogação seria apenas cumprimento da decisão.

Em seu discurso, Bolsonaro afirmou que espera dar posse a Ramagem na PF em breve. A AGU, porém, já havia divulgado que não recorreria. Questionado no final do dia sobre qual seria o caminho adotado, o presidente respondeu:

—Quem manda sou eu. O presidente diz que fará “de tudo” para que sua indicação seja aceita. Enquanto não há substituto indicado para o cargo, a Polícia Federal será dirigida interinamente por Disney Rosseti, que teve seu nome defendido por Moro junto a Bolsonaro como alternativa antes da decisão do presidente de exonerar Valeixo.

OS LIMITES IMPOSTOS PELO STF AO PRESIDENTE

Autonomia a governadores

No último dia 15, o STF decidiu por unanimidade que governadores e prefeitos podem baixar medidas restritivas para conter o avanço do coronavírus, incluindo fechamento do comércio. Bolsonaro havia ameaçado flexibilizar a quarentena nos estados através de decreto.

Campanha contra quarentena

O ministro do STF Luís Roberto Barroso proibiu, no fim de março, que o governo contratasse campanha publicitária contra o isolamento social. Diante da repercussão do caso, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) apagou postagens com o slogan “O Brasil não pode parar” e negou intenção de lançar campanha.

Retomada do DPVAT

Em dezembro, a Corte suspendeu MP editada por Bolsonaro que acabava com o DPVAT, um seguro obrigatório cobrado de donos de veículos e para indenizar vítimas de acidentes de trânsito.

Terras indígenas

Bolsonaro tentou, via medida provisória, tirar da Funai a atribuição de demarcar terras indígenas. Em junho, o STF suspendeu a MP.

Extinção de conselhos

Na primeira vez em que analisou uma medida deste governo, o STF decidiu que Bolsonaro não poderia extinguir conselhos da administração pública criados por lei.

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Dilma e Temer também tiveram nomeações barradas

Bruno Góes

Amanda Almeida

30/04/2020

 

 

Em 2016, quando ida de Lula para a Casa Civil foi vetada, Bolsonaro festejou decisão e criticou o governo por ‘descaso na Saúde’

 Os dois antecessores de Jair Bolsonaro na Presidência da República também tiveram nomeações de ministros barradas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que elas violavam a legislação.

Em janeiro de 2018, o presidente Michel Temer indicou a então deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do ex-deputado Roberto Jefferson, para o Ministério do Trabalho. A decisão foi da ministra Cármen Lúcia. Cristiane Brasil teve a nomeação para o cargo contestada porque tinha um histórico de não cumprir a legislação trabalhista como empregadora.

Dois anos antes, em março de 2016, Dilma Rousseff já enfrentava o processo de impeachment, e tentou fazer do ex-presidente Lula seu ministro da Casa Civil. O ministro Gilmar Mendes, do STF, vetou a indicação por enxergar obstrução de Justiça. A decisão veio pouco depois da divulgação da conversa entre Dilma e Lula em que a então presidente avisava o petista que mandaria a São Paulo o termo de posse como ministro para ele assinar. O diálogo mostrou, na visão de Gilmar, que a nomeação teve desvio de finalidade, porque o real objetivo seria dar foro privilegiado a Lula, à época já investigado pela Lava-Jato.

O veto à nomeação de Lula no governo Dilma foi, à época, elogiada pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, que ontem, como presidente, manifestou contrariedade e anunciou que recorrerá da decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre a indicação de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal.

Antes da decisão definitiva de Gilmar Mendes, o juiz Itagiba Catta Preta, da 4ª Vara Federal de Brasília, já havia dado liminar barrando a nomeação de Lula. Em declaração dada em frente ao Congresso, na ocasião, Bolsonaro declarou:

— Lula liminarmente já não é ministro. Mas os problemas do Brasil são enormes. É questão familiar, é questão da inflação, desemprego, descaso com a saúde, corrupção generalizada e corrupção ideológica.

Outros apoiadores do atual presidente, que ontem deram declarações classificando a decisão de Alexandre de Moraes como “absurda” e “ditatorial”, também elogiaram quando o mesmo aconteceu com Dilma Roussseff.

Filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro elogiou a liminar que vetou a nomeação de Lula:

— Vou aproveitar e parabenizar a Justiça Federal de Brasília por ter lavado a alma dos brasileiros e ter suspendido a nomeação desse criminoso chamado Luiz Inácio Lula da Silva.

A também deputada Bia Kicis (PSL-DF) defendeu à época e segue sustentando que Lula deveria ter sido afastado em 2016 por “desvio de finalidade claro”, e acha que agora o STF não poderia impedir a nomeação de Ramagem:

— São situações completamente diferentes. Porque neste caso se alegou a violação do princípio da impessoalidade porque ele seria amigo íntimo do presidente. Não existe isso de ser amigo íntimo. Este ve em eventos com o presidente, não é amigo íntimo.