O globo, n. 31679, 01/05/2020. Economia, p. 17

 

País de invisíveis

Gabriel Monteiro

Luiza Moraes

Karen Garcia

Vitor da Costa

01/05/2020

 

 

Brasil vive aumento do desemprego em meio a apagão estatístico e corrida por auxílio de R$ 600

 Um país sem emprego, sem informação e em busca de auxílio. O Brasil chega ao 1º de Maio com aumento do número de desempregados, pouca informação sobre o desempenho do mercado de trabalho e um contingente muito maior do que o esperado pelo governo em busca do benefício emergencial de R$ 600 para atravessar a pandemia da Covid-19. O IBGE afirma que, em março, o país tinha 12,9 milhões de desempregados, mas o número já é retrato do passado diante das demissões após o início da crise.

De janeiro a março, 2,3 milhões perderam o emprego, sendo1,9 milhão de informais, indicando maior peso da pandemia sobre esse grupo.

Entre os analistas, só há um consenso: a situação hoje é pior do que os números mostram e, ao menos no curto prazo, a tendência é de deterioração do emprego. A dimensão do impacto da crise, porém, segue desconhecida, já que o país enfrenta um apagão estatístico. As principais pesquisas sobre a ocupação da população foram interrompidas ou enfrentam problemas, como o levantamento do IBGE.

É a falta de informação que leva o próprio governo a se surpreender com o contingente de“invisíveis”.São pessoas que não estão nos cadastros oficiais e, hoje, lutam para sobreviver. São brasileiros como os reunidos nesta página que, dia após dia, enfrentam a fila da Caixa em busca de R$ 600.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, afirmou ontem esperar que as filas diminuam, mas que parte disso e é resultado da cultura.

— Tem uma parcela da população que não usa aplicativo... Precisa ir na Caixa, ver o dinheiro, pegar o dinheiro — disse. —Algum grau de fila nas agências da Caixa vai ter até o final do programa porque é da natureza nossa,da própria cultura.

Maria do Livramento de Sousa, 38 anos, vendedora de salgados

“Se esse auxílio de R$ 600 tivesse demorado mais alguns dias, não teria o que comer. Na minha geladeira, só tinha água. Eu vendia doces e salgados e conseguia tirar até R$ 1.200 em um mês bom, mas, agora, não estou vendendo nada. Moro de aluguel com meu marido e meu filho, de 12 anos. O meu marido ainda trabalha, mas teve redução de salário. Passei a comprar marcas mais baratas e reduzi as porções no almoço e no jantar, para a comida durar mais tempo. Contei com a ajuda de minha família, que me mandou dinheiro. Graças ao dinheiro deles, consegui pagar a

para fazer o cadastro na Caixa. Meu pedido foi aprovado, e esta semana, após ficar cinco horas na fila, consegui sacar os R$600. A primeira coisa que fiz foi correr para o mercado e comprar comida. Esse dinheiro vai ajudar nesses três meses, mas, se essa crise continuar, não sei como vai ser.”

Everton de Oliveira Gonçalves, 46 anos, motorista de aplicativo

 

“Dei entrada no auxílio emergencial pelo aplicativo no dia 7 de abril. Só liberaram dia 22, mesmo eu sendo correntista da Caixa Econômica. Eles não vincularam à minha conta e criaram uma digital. Foi uma tortura. Moro em Nova Iguaçu, fui para a fila em uma agência no Méier, porque estava mais vazia, e consegui sacar o benefício na quarta-feira, depois de muita espera. Hoje estou praticamente vivendo de migalhas. Trabalho treze horas por dia para fazer o mesmo que fazia antes da pandemia em cerca de seis horas. Estou há três anos sem carteira assinada, mas, como motorista de aplicativo, minha renda mensal era de R$ 3 mil. Minha esposa está grávida de oito meses e também ficou desempregada. Temos mais dois filhos e estamos contando com ajuda de familiares dela. Estou trabalhando um dia para viver o outro.”

Antonio Peixoto, 57 anos, auxiliar jurídico

FOTOS DE GABRIEL MONTEIRO

“Fiquei quatro horas na fila da Caixa para resolver algo que poderia ser feito pela internet. Fiz questão de ir porque precisava levar alimento para casa e pagar minhas contas. Sou hipertenso, minha esposa é cardíaca e diabética. Estou há quatro dias sem tomar meu remédio de pressão porque acabou. Mas como eu vou comprar o medicamento se mal tenho dinheiro para a comida? O que eu faço? Está tudo caro no mercado, os preços aumentaram muito. Já cortamos a carne para economizar. Eu brinco que viramos vegetarianos. O feijão passou de R$ 3,39 para R$ 6,99, o leite deve ser de vaca holandesa e os ovos, de ouro, custando quase R$ 11 a dúzia. Quem faz tudo na rua sou eu, porque tenho menos risco que minha esposa. Separamos nossos pratos de comida e estamos dormindo em quartos diferentes, porque posso ser assintomático.”