O globo, n. 31679, 01/05/2020. Especial Coronavírus, p. 15

 

Auditores apontam risco de interferência na Receita

Marcello Corrêa

01/05/2020

 

 

Bolsonaro se reuniu com pastor de igreja com dívidas e secretário do Fisco

 Técnicos da Receita Federal alertam para o risco de ingerência do Palácio do Planalto no órgão em favor da renegociação de dívidas tributárias de igrejas evangélicas. A reação deve-se a uma reunião entre o presidente Jair Bolsonaro, o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, e o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do pastor R. R. Soares, na última segunda-feira. No encontro, os três teriam tratado sobre dívidas tributárias de igrejas.

O compromisso constou da agenda oficial do presidente e ocorreu na tarde do dia 27 de abril. R. R. Soares é líder da Igreja Internacional da Graça de Deus. A igreja neopentecostal é a terceira organização religiosa com maior dívida ativa junto à União. A entidade tem, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), R$ 144,6 milhões inscritos na Dívida Ativa da União.

A informação sobre a pressão de Bolsonaro sobre a receita foi publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” ontem. Técnicos da Receita ouvidos pelo GLOBO confirmaram que há um temor de interferência e que a simples presença do presidente em uma reunião entre um contribuinte e o secretário do Fisco indica um risco de ingerência.

Em nota, o Sindifisco, que representa auditores fiscais, criticou a tentativa de pressão:

“É com espanto que vemos essa investida do presidente da República, que atropela as leis para, em benefício de alguns contribuintes, atentar contra a administração pública e o equilíbrio do sistema tributário”.

Não é a primeira vez que a tentativa de ingerência do presidente Jair Bolsonaro sobre o Fisco causa desconforto entre técnicos do órgão. No ano passado, o ex-secretário da Receita, Marcos Cintra, foi pressionado a fazer trocas na subsecretaria de Fiscalização, por pressão do presidente.

O valor devido pela igreja de R. R. Soares corresponde a 9% do R$ 1,6 bilhão das dívidas de organizações religiosas do país e só fica atrás das dívidas da entidade filantrópica Instituto Geral Evangélico (R$ 521 milhões), que não existe mais, e da Ação Distribuição (R$ 381 milhões), igreja de fachada e braço de uma organização que fraudou os cofres da Secretaria de Fazenda de São Paulo, investigada pela Polícia Federal em 2012. O valor inclui débitos tributários, previdenciários e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Procurado, o deputado David Soares não foi localizado. A Receita informou que não se manifestaria.