O globo, n. 31679, 01/05/2020. Especial Coronavírus, p. 13

 

Defesa institucional

Carolina Brígido

Daniel Gullino

Marco Grillo

01/05/2020

 

 

Moraes recebe apoio de ministros do STF apos ataques de bolsonaro

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) saíram em defesa de Alexandre Moraes após o presidente Jair Bolsonaro atacar o magistrado e chamar de “política” a decisão que impediu a posse de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal. Os integrantes da Corte fizeram questão de demonstrar solidariedade a Moraes.

Também ontem, o plenário do STF manteve uma decisão de Moraes derrubando a Medida Provisória do governo que suspendia prazos para o governo responder a pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação, e o ministro Gilmar Mendes negou pedido do deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP) para derrubar a prorrogação de prazo da CPI das Fake News.

O primeiro a se manifestar foi Gilmar Mendes, que anteontem esteve com Bolsonaro no Palácio do Planalto na posse do novo ministro da Justiça, André Luiz Mendonça. “As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita —e se revela ilegítima — é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre Poderes”, escreveu em uma rede social.

"DESABAFO”

Já o ministro Luís Roberto Barroso se manifestou por meio da assessoria: “O Ministro Alexandre de Moraes chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade. No Supremo, sua atuação tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência. Sentimo-nos honrados em tê-lo aqui”.

Antes de partir para uma viagem a Porto Alegre, Bolsonaro atacou na manhã de ontem a decisão de Moraes.

—Tirar em uma canetada, desautorizar um presidente da República com uma canetada, dizendo em impessoalidade. Ontem quase tivemos uma crise institucional. Quase, faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição — disse, acrescentando depois:

—Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa forma de tratar o chefe do Executivo, que não tem uma acusação de corrupção, que faz tudo possível pelo seu país.

O presidente disse ainda que sua amizade com Ramagem, que chefiou sua equipe de segurança, não pode ser utilizada para impedir a posse. Bolsonaro afirmou que Moraes chegou ao STF por ter “amizade”com o ex-presidente Michel Temer, de quem foi ministro da Justiça:

—Não justifica a questão da impessoalidade. Como é que o senhor Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade

com o senhor Michel Temer. Ou não foi?.

Bolsonaro amenizou o tom na noite de ontem, em uma transmissão ao vivo nas redes sociais.

—Fiz um desabafo hoje de manhã. Não ofendi pessoalmente ninguém, nem instituições. Tenho plena convicção disso. Apenas me coloquei no lugar do delegado da Polícia Federal Ramagem, que foi impedido por uma liminar monocrática do Supremo Tribunal Federal de tomar posse — afirmou, reiterando que espera uma reversão da decisão.

Na sessão do plenário na tarde de ontem, feita por videoconferência, ministros do STF elogiaram Moraes, sem mencionar os ataques de Bolsonaro. O presidente da Corte, Dias Toffoli, destacou a dedicação do colega:

— Eu sou testemunha do conhecimento e dedicação ao Direito e à causa pública em sua longa trajetória. Eu, que o conheço desde 1986. Fica meu carinho.

Edson Fachin afirmou que tem “sincera admiração” por Moraes e disse que tem a “honra de estar ao lado” do colega na Corte. Luiz Fux disse que Moraes atua “sob o prisma da legalidade e da constitucionalidade” no STF. Barroso e Cármen Lúcia também elogiaram o ministro.

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) também se manifestou e afirmou que considera “inadmissível” que magistrados sofram “ofensas pessoais” em função de suas decisões. A presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, defendeu o “respeito à independência e à autonomia dos juízes, desembargadores e ministros”.

Os elogios a Moraes ocorreram em uma sessão na qual uma liminar do ministro derrubando um ato de Bolsonaro foi mantida por unanimidade. A Corte assegurou que pedidos feitos ao governo com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) devem ser respondidos mesmo durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Em 26 de março, Moraes suspendeu a validade de uma medida provisória que paralisava a tramitação de pedidos apresentados aos órgãos do governo com base na LAI. Com a liminar, eles voltaram a ficar obrigados a apresentar resposta aos pedidos nos prazos previstos na lei. Moraes sustentou que o poder público tem obrigação constitucional de dar publicidade a seus atos.

A família Bolsonaro sofreu ainda outra derrota no STF ontem. O ministro Gilmar Mendes negou o pedido do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para suspender a prorrogação da CPI das Fake News.

O parlamentar havia ingressado com um mandado de segurança argumentando que o trabalho da comissão tinha sido desvirtuado com a intenção de prejudicar membros do Legislativo aliados do governo federal e o próprio presidente da República. Mendes rejeitou a tese. “A investigação da utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018 constitui um dos objetos principais da referida CPMI, e não mera questão acessória”, diz a decisão.