O globo, n. 31679, 01/05/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Entrevista - Artur Virgílio Neto: "A gente está vendo cenas de um filme de terror"

Leandro Prazeres

01/05/2020

 

 

Artur Virgílio Neto / Prefeito de Manaus Gestor da capital amazonense diz que, se população não aderir ao isolamento, irá recomendar que governo radicalize quarentena

ALEX PAZUELLO/SEMCOMVidas. “Vamos salvar as pessoas mesmo que elas não queiram ser salvas”

 Prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto (PSDB) afirma que tanto ele quanto o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), fracassaram ao implementar medidas de distanciamento social. Segundo o Ministério da Saúde, o estado é o que tem a quinta maior taxa de incidência da doença em todo o Brasil: são 4.801 casos confirmados e 380 mortes. De acordo com Virgílio, Manaus vive “cenas de filme de terror”.

O Amazonas tem condições de, sozinho, sair dessa crise?

Não. Sem ajuda do governo federal, não temos como. Precisamos de uma presença federal muito forte,o que agente não vem percebendo.

É a favor de uma intervenção federal na saúde do estado?

Eu não quero entrar em atrito com o governo estadual. Acho que a situação pode ser resolvida se o governo federal mandar o que a gente precisa.

Como o senhor avalia as ações do governo federal durante a crise no Amazonas?

Na área da saúde, está horrível. Não vi nada ainda. Estamos aguardando ansiosamente a chegada de aviões das Forças Armadas com respiradores, EPIs e insumos. Está faltando medicamento, estamos racionando. Na época do [Luiz Henrique] Mandetta, ele até se fazia presente,agora minha esperança é que o general [Eduardo Pazzuelo], que conhece a região, nos ajude. Estou preocupado porque vi um vídeo com o ministro [Nelson Teich], no qual ele fala sobre um dilema entre ajudar um idoso ou um jovem. Fico me perguntando: será que vamos chegar a esse ponto, dar ao médico o poder de Deus para escolher quem vive e morre?

Que medidas vocês estão tomando para evitar um caos nos cemitérios?

Essa situação pegou todo mundo de surpresa. Muitos coveiros estavam trabalhando e caíram doentes. Estão fazendo um trabalho hercúleo. Reforçamos o número de equipes e colocamos tendas com padres e pastores para darem conforto às famílias. Antes dessa epidemia, a gente enterrava 30 pessoas por dia, em média. Ontem [segunda-feira], enterramos 142, das quais 28% morreram em casa. Não sei se essas pessoas morreram porque se medicaram, não tiveram acesso a atendimento ou se acharam que,como disse o presidente, era só uma gripezinha. É um negócio sinistro, mesmo. Agente está vendo cenas de um filme de terror.

Para quando está previsto o pico da doença em Manaus?

Nossos estatísticos estimam que o pico deve acontecer na segunda semana de maio.

Manaus é uma das capitais com baixa adesão ao isolamento social. Por que o senhor acha que a população não aderiu?

Há um fator cultural. Meu secretário de obras anda pelas periferias e ouve as pessoas dizendo que a Covid-19 é doença de rico, que não vai pegar em pobre, no caboclo.

Mas elas estão vendo as pessoas morrendo. Outro fator é a pregação do presidente Jair Bolsonaro contra essas medidas. Ele diz que precisamos salvar a economia, mas nunca vi salvar a economia com gente doente. A realidade é que eu fracassei em relação ao distanciamento social. Fracassei assim como o governador e todo mundo que está a favor do distanciamento social. Fracassamos perigosamente. Por isso que vamos, ainda nesta semana, dar início a uma campanha de mídia pesada para tentar convencer as pessoas a ficarem em casa.

Se não houver aderência ao distanciamento social e se a ajuda para ampliar o atendimento não chegar a tempo, o que avalia que vai acontecer em Manaus?

Se nada mudar, vou recomendar ao governador que decrete a quarentena, o chamado lockdown. Fecha tudo. Radicalizar mesmo. Vamos salvar as pessoas mesmo que elas não queiram ser salvas. Lá na frente, elas vão poder avaliar se tomamos as medidas certas ou não. Mas primeiro precisam estar vivas.