Valor econômico, v.21, n.5019, 11/06/2020. Política, p. A8

 

MP diz que provas em inquérito sobre 'fake news' podem ser usadas no TSE

Luísa Martins

11/06/2020

 

 

O inquérito das "fake news" pode vir a fortalecer as ações que pedem a cassação da chapa presidencial de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se tiver a sua legalidade confirmada hoje pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), como tende a acontecer.

Ontem, o Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifestou a favor do compartilhamento de provas entre as duas investigações. O pedido foi feito pelo PT, autor do processo que pede a impugnação da coligação de Bolsonaro por abuso eleitoral. A decisão cabe ao ministro Og Fernandes, relator das ações na Corte.

Esses processos tratam de um suposto esquema de impulsionamento ilegal de mensagens por WhatsApp que, durante a campanha eleitoral, teria sido bancado por empresários apoiadores do presidente. Confirmada, a prática pode ser considerada caixa dois, pois tais investimentos não constam na prestação de contas da coligação.

Segundo o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, as buscas e apreensões determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito das "fake news" podem "trazer luz" aos fatos em apuração no TSE, "na medida em que poderão vir a demonstrar a origem do financiamento das práticas imputadas à campanha".

Góes afirma, por exemplo, que o inquérito do STF aponta o empresário Luciano Hang, da rede de lojas Havan, como um dos possíveis financiadores de uma rede de disseminação de notícias falsas atualmente em funcionamento, o que tem potencial de "desestabilizar as instituições democráticas".

Embora as mensagens veiculadas durante a campanha possam ser diferentes das propagadas hoje em dia, "há um nítido liame entre os fatos" em apuração nos dois casos, na avaliação do vice-procurador-geral.

Góes cita como precedente o julgamento da ação que pedia a cassação da chapa dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer, em 2017, que levou em consideração informações compartilhadas pelo STF a partir de inquéritos da Operação Lava-Jato.

O MPE ponderou, contudo, que o depoimento do empresário Paulo Marinho à Polícia Federal, ocasião em que narrou um suposto conhecimento prévio de Bolsonaro sobre operações, deve ser desconsiderado, por falta de conexão com os disparos ilegais.

Advogado do PT no TSE, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão disse que o conjunto de provas do inquérito do Supremo dá mais fôlego à tese da impugnação da chapa, "abrindo caminho para novas eleições", caso a cassação ocorra antes do fim do ano. Segundo ele, esse cenário seria o mais adequado para controlar o caos sanitário e socioeconômico causado pela pandemia. A defesa de Bolsonaro foi procurada pelo Valor, mas não respondeu.

O plenário do STF se reúne hoje à tarde para decidir se anula ou não o inquérito das "fake news". A discussão gira em torno de a investigação ter sido aberta sem participação do Ministério Público, passando a tramitar em sigilo, sem delimitação específica dos alvos. Além disso, é questionado o fato de Moraes ter sido designado o relator, quando o habitual é que isso ocorra por sorteio.

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Moraes pede vista e adia decisão

Luísa Martins

11/06/2020

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou ontem a julgar as ações que pedem a cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão. A sessão, no entanto, terminou sem um desfecho, diante de discussões sobre a necessidade ou não de reabrir a fase de produção de provas.

Um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, que tomou posse na semana passada como ministro efetivo do TSE, adiou o julgamento. Ainda não foi definida uma nova data.

Até agora, três ministros votaram para conceder aos autores das ações - os então candidatos Guilherme Boulos (Psol) e Marina Silva (Rede) - a possibilidade de trazer aos autos novas evidências do suposto abuso de poder na campanha de 2018. Outros dois foram contrários.

A Corte eleitoral investiga a chapa Bolsonaro-Mourão por tirar vantagem de uma invasão "hacker" ao grupo no Facebook responsável por lançar o movimento #EleNão, que reuniu 2,7 milhões de opositoras da chapa e ganhou as ruas do país durante a campanha eleitoral.

Após o ataque cibernético, o grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" virou "Mulheres COM Bolsonaro #17". Beneficiado pela mudança, o então candidato publicou em suas redes sociais um "print" da comunidade virtual, acompanhado de um texto de agradecimento.

Nos bastidores do TSE, o entendimento é o de que esses processos são juridicamente frágeis e não têm chance de prosperar. Contudo, mesmo com tendência ao arquivamento, alguns ministros veem razão para conceder às coligações de Boulos e Marina mais tempo para comprovar a interferência do ataque hacker no pleito presidencial.

O que os ex-candidatos pedem é que seja levada em conta a investigação que tramita na Polícia Civil de Vitória da Conquista (BA) sobre a autoria das invasões ao grupo virtual. Os ministros Edson Fachin, Tarcísio Vieira Neto e Carlos Velloso Filho entenderam que a medida é necessária, uma vez que cabem aos autores o ônus de comprovar que a chapa vencedora deve ser cassada.

Para Fachin, um julgamento "açodado" não é compatível com a conduta do TSE. "Inexiste óbice ao indeferimento do pedido", disse o ministro.

Já para os ministros Og Fernandes e Luís Felipe Salomão, por mais que seja comprovada a autoria da invasão ao grupo, esse fato não seria capaz de beneficiar Bolsonaro na eleição.

"A conduta pode apresentar nítidas repercussões nas áreas cível, indenizatória e penal, mas, para ecoar no âmbito eleitoral, o abuso de poder econômico precisa ostentar gravidade apta a abalar a lisura e a legitimidade do pleito", disse Fernandes.

Em seguida, Moraes pediu vista. Além dele, falta votar o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. Apenas se a reabertura da instrução for rejeitada é que os ministros vão passar para o julgamento de mérito sobre a cassação da chapa.