Título: Lei seca mais rigorosa deixa brecha jurídica
Autor: Bernardes, Adriana; Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2012, Cidades, p. 31

Apesar do aumento no valor da multa por embriaguez ao volante e da adoção de novas provas, juristas alertam que norma aprovada no Congresso se mostra pouco eficaz em relação à criminalização do ato de dirigir alcoolizado

O Congresso Nacional perdeu mais uma chance de arrochar por completo a punição contra o motorista alcoolizado. A mudança na lei seca aprovada pelo Senado Federal endurece a legislação ao aumentar as sanções administrativas, mas mantém o índice de álcool no artigo que tipifica o crime e, com isso, permanece a brecha para os que se recusam a fazer o teste do bafômetro escaparem de condenações judiciais. Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que, nos tribunais, deve prevalecer o entendimento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, para configurar crime, é preciso haver a medição exata da quantidade de álcool no organismo (leia Memória). A nova norma depende da sanção da Presidência da República.

A titular da 1ª Promotoria de Trânsito de Brasília, Laura Beatriz Rito, acredita que, na prática, será mais difícil comprovar a embriaguez ao volante. Além do índice de alcoolemia, os parlamentares acrescentaram que a capacidade psicomotora do condutor deve estar visivelmente comprometida. "Pode acontecer de um motorista soprar o bafômetro, mas manter a capacidade psicomotora inalterada. Essa pode ser uma brecha que livre muita gente de responder criminalmente. Na prática, (a lei) do jeito que está, só vai valer para o condutor que não conseguir ficar em pé", critica. "Foi um tímido avanço e somente na esfera administrativa", completa a promotora.

Muitas correntes defendem a tolerância zero para quem se recusa a fazer o teste do etilômetro. O projeto do senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES) sugeria a prisão imediata do motorista que não se submeter ao exame por meio do aparelho e, consequentemente, a abertura de processo criminal. No entanto, a medida foi considerada radical demais.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, entende que, neste momento, a discussão em torno da obrigatoriedade do exame do bafômetro não encontra amparo legal. "A Constituição Federal garante princípios que precisam ser respeitados. Um deles é o de que o cidadão não tem obrigação de produzir provas contra si. Isso é inerente ao estado democrático de direito. Dentro dessa conjuntura, não creio que essa ideia possa prosperar", diz.

Ophir Cavalcante acredita que o Projeto de Lei da Câmara Federal nº 27, de 2012, apesar de não tornar a esfera criminal mais severa, derrubará os índices de mortes provocadas por motoristas alcoolizados. "Essas modificações foram extremamente positivas no sentido de dar um suporte maior ao juiz que analisará o caso. Com as novas ferramentas de provas, o magistrado poderá tomar uma decisão com mais segurança", avaliou.

Tragédias

O principal objetivo da lei seca é evitar que motoristas embriagados usem veículos como armas. Nos últimos anos, o país se acostumou a presenciar tragédias provocadas por condutores irresponsáveis. O projeto de lei à espera de sanção da presidente Dilma Rousseff, porém não altera a punição para quem mata sob o efeito de álcool. Para o advogado especialista em legislação de trânsito Marcos Pantaleão, o único meio capaz de provocar profundas modificações no hábito das pessoas, fazendo com que elas deixem de misturar álcool e direção, é colocar os infratores na cadeia.

"O país assiste agora a mais um debate acalorado em torno da lei seca. Porém, chama a atenção que o crime de trânsito, aquele em que o condutor embriagado tira a vida de alguém, não foi sequer alvo de discussão. Estabelecer pena de 2 a 4 anos é insignificante. Mais uma vez, atacaram meramente a parte administrativa, o que não deixa de ser ruim, mas a consequência principal, que é acabar com as mortes, foi tratada de forma superficial", criticou Pantaleão.

Provas limitadas

Em 28 de março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por cinco votos a quatro, que apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue podem incriminar o condutor que dirige alcoolizado. Pelo entendimento da maioria dos ministros, provas testemunhais e exames clínicos não podem ser usados como prova para processar criminalmente o infrator. A votação foi apertada, e a tese acabou decidida pelo voto da presidente da sessão, a ministra Maria Thereza de Assis Moura. "Se o tipo penal é fechado e exige determinada quantidade de álcool no sangue, a menos que mude a lei, o juiz não pode firmar sua convicção infringindo o que diz a lei", afirmou. O julgamento teve início em 8 de fevereiro e foi interrompido por três pedidos de vista.