O globo, n. 31673, 25/04/2020. Economia, p. 23

 

Empresários se dizem 'traídos' após acusações de ex-ministro

Henrique Gomes Batista

Leo Branco

25/04/2020

 

 

Executivos mais próximos do Planalto defenderam o ex-juiz Sergio Moro. Crise política junto com pandemia preocupa Representantes do setor empresarial do país afirmaram ontem que se sentiram "traídos" pelo governo Jair Bolsonaro diante das acusações feitas pelo ex-juiz Sergio Moro, que saiu do Ministério da Justiça afirmando que o presidente tentou interferir em investigações conduzidas pela Polícia Federal. Alguns executivos, mais identificados com a atual gestão federal, defenderam o agora ex-ministro, considerado por muitos como símbolo do combate à corrupção por seu trabalho durante o auge da Operação Lava-Jato. Outros, sem ligações tão próximas com o Palácio do Planalto, lamentaram o surgimento de uma crise política em meio ao combate à pandemia do coronavírus, uma crise sanitária sem precedentes.

— Para mim, acabou qualquer tipo de confiança ou apoio que a gente poderia dar a este governo, me sinto traído, Bolsonaro é um traidor da pátria — disse Gabriel Kanner, presidente do Grupo Brasil 200, que reúne empresários que defendem a agenda econômica liberal do governo federal. — A confiança de todos foi traída, não apenas pela saída do Sergio Moro, mas pelas acusações feitas, que são graves e mostram outra faceta do presidente —acrescentou.

Para Kanner, os empresários estão perdendo a confiança no governo. Ele teme que o cenário de crise acabe resultando na saída de outro pilar da gestão Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes. — Todo mundo com quem conversei está desolado. Eu acho que é questão de tempo até o Paulo Guedes sair também, já houve a sinalização de sua falta de prestígio no lançamento do Pró-Brasil (programa de investimento estatal que não contou com o ministro durante sua apresentação). É impressionante a falta de compromisso do Bolsonaro com seus eleitores e com a sua base de apoio.

 PATRIMÔNIO NACIONAL

Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, afirmou que o país todo perde com a saída de Moro do governo federal. —É uma pena. Moro é um patrimônio nacional, a principal bandeira do governo, da primeira bandeira, que é o combate à corrupção

Para setor produtivo, incerteza é ruim, ainda mais neste momento de Covid-19, quando o país enfrenta grande instabilidade econômica

presidente do Grupo Brasil 200

presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza

— disse o executivo, que foi pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2018 e, depois que abandonou a corrida, passou a apoiar o então candidato Jair Bolsonaro. Apesar do lamento pela saída de Moro, Rocha ainda acredita que o embate entre o ex-ministro da Justiça e o presidente da República não afetará a condução da agenda econômica federal: — Não vejo que isso possa afetar a agenda econômica, que visa o futuro.

Em uma rede social, o dono das lojas Havan, Luciano Hang, postou um agradecimento ao ex-juiz Moro. "Obrigado por tudo que você fez pelo nosso país. Gerações e gerações lembrarão do seu legado. O povo brasileiro estará sempre ao seu lado. Estamos juntos", escreveu o empresário, conhecido por ser um defensor do governo Bolsonaro. Hang usou na mensagem algumas hashtags como #moro #moroheroinacional

#moroheroi #seguranca #nacaobrasileira #heroi #moroheroidobrasil. Aliado de Bolsonaro, o presidente da Federação das IndústriasdoEstadodeSãoPaulo (Fiesp), Paulo Skaf, não quis comentar a saída de Moro do governo. Nos últimos meses, Skaf foi anfitrião de alguns encontros de Bolsonaro com empresários. O alinhamento político dos dois vinha causando incômodo entre industriais paulistas. Um executivo que participou de um desses encontros, que preferiu o anonimato, disse que "toda volatilidade e incerteza é ruim, ainda mais neste momento de Covid-19".

 PÉSSIMO MOMENTO

Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, disse ver com tristeza a crise política em meio à pandemia de Covid-19. — Fico triste com esses acontecimentos políticos quando o momento deveria ser de total união para sairmos do caos e combatermos os graves problemas de saúde e emprego que estão afetando toda a população. É hora de união e de focar na solução, e não de criar mais crises —afirmou a empresária. Presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e ex-presidente da UnitedHealth Group, dona do plano de saúde Amil, o médico Claudio Lottenberg disse que a saída de Moro do governo ocorre em uma época péssima por causa da instabilidade já trazida pela pandemia da Covid-19.

—É um momento péssimo para isso acontecer, já que estamos numa situação sensível no Brasil e no mundo. Pessoas estão morrendo, estamos numa instabilidade econômico-financeira tremenda, com pessoas não podendo trabalhar. O ministro Moro tem uma credibilidade maior do que a do presidente. Trata-se de uma crise institucional e da própria sociedade brasileira —disse.

"Para mim, acabou qualquer tipo de confiança ou apoio que a gente poderia dar a este governo, me sinto traído, Bolsonaro é um traidor da pátria"

Gabriel Kanner,

"Fico triste com esses acontecimentos políticos quando o momento deveria ser de total união para sairmos do caos e combatermos os graves problemas de saúde e emprego" _ Luiza Trajano,