O globo, n. 31673, 25/04/2020. Economia, p. 22

 

Bolsonaro desmonta o próprio governo

Míriam Leitão

25/04/2020

 

 

A duração do governo Bolsonaro agora dependerá do Congresso. Diante da acusação do ex-ministro Sergio Moro, fica difícil para o presidente da Câmara engavetar mais um pedido de interrupção do mandato. As condições para um processo de impeachment estão dadas. Bolsonaro queria informações da Polícia Federal de processos e investigações, inclusive alguns nos quais tem interesse direto. Pressionou ao ponto da demissão do ministro da Justiça que era uma das bases de sustentação do seu governo. Moro apresentou seu pedido de demissão em uma entrevista na qual tratou diretamente dos fatos que o levaram à decisão. A resposta do presidente

veio em forma de um pronunciamento longo, confuso, contraditório. No que disse de substância, ele negou que tivesse pressionado Moro. No final do dia Moro expôs ao Jornal Nacionalum atro cade mensagens quemos traque Bolso na roque ria trocar Valeixo por causado inquérito que investiga parlamentares bolso na ris tas. No pronunciamento, Bolsonaro confirmou queque ri asim"interagir" coma Polícia Federal ."Quero um delega doque eu possa interagir co mele. Interajo comas Forças Armadas, Abin,c om qualquer umd ogo verno ". Nesse aspecto, segundo um delegado da Polícia Federal, ele misturou coisas bem diferentes.

– A Abin, o Exército e as polícias militares analisam cenários e fazem relatórios da situação do país. Nesta crise da saúde, por exemplo, sobre situação de UTI, oferta de equipamento de proteção. APFépo lícia judiciária. Produz relatório para investigação, para apurar fato, materialidade e autoria de crime. Não tem sentido político algum ter conhecimento disso. Mesmo aqui dentro agente temo conceito de compartimentarainvestigação, e só sabe a equipe de investigação ou quem possa auxiliar–explicou. Na opinião de juristas que ouvi, o que há na fala do ex-ministro Sérgio Moro se configura em crime de obstrução de justiça. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito de forma capciosa, em que pelos crimes arrolados ele investigará

a ambos, caso o Supremo Tribunal Federal autorize o inquérito. De um lado, investigará falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça. Delitos que o presidente pode ter cometido. Por outro lado, fala em denunciação caluniosa e crimes contra a honra, neste caso, tentando atingir Sergio Moro.

Um membro do MPF avalia que Aras errou ao incluir apuração de denunciação caluniosa, porque assim desestimula exatamente aquilo que o Ministério Público tenta incentivar que é denúncias no serviço público.AdecisãodeAras"serve como forma de intimidar whistleblowers" .Há mais um erro no processo do PGR: Moro perdeu prerrogativa de foro, disse um ministro do STF. Não pode estar no mesmo inquérito. Com o inquérito, por mais que Aras continue tentando ajudar Bolsonaro, o presidente e Moro se encontrarão na Justiça. Terão que levar provas do que disseram ou testemunhas. O próprio presidente terá que depor, ainda que tenha a prerrogativa de fazê-lo por escrito.

–Aprova de falsidade i de ológicaéfácil.Ba sta requisitar ao governo que apresente a cópia do pedido de demissão assinado por Valeixo e ode creto

de demissão coma assinatura de Moro– informou a fonte.

Bolsonaro errou também ao falar que a Polícia Federal deveria explicar a investigação do assassinato de Marielle, porque a federalização não foi decidida ainda. Ao lado do presidente, ali naquele palco no Planalto, havia pessoas que estavam em profundo desacordo com o presidente nos eventos que culminaram com a saída. Um deles me disse ter um"sentimento de desalento e tristeza profunda ". Ministros militares tentaram demover o presidente do confronto com Moro, mas Bolsonaro estava decidido a ter mais acesso às investigações da PF. Bolsonaro agora está encurralado. irou um ministro da Saúde popular no meio de uma pandemia e colocou ou troque em uma semana ainda não disse a que veio. Na quinta-feira, quando o Brasil teve 407 mortos pelo Cov id -19 oeq uiva lenteàqued ade um Boeing 747-, Bolsonaro estava ocupado em demitir o diretor- geralda Polícia Federal. Comisso, derrubou um dos pilares do seu governo. Tão importante quanto o ministro da Economia. Bolsonaro sai menor e mais isolado após esta demissão. Seu patético pronunciamento de ontem mostra o quanto ele está perdido. Há uma semana, ele acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de conspirar contra ele. Na verdade, quem (...)