O globo, n. 31673, 25/04/2020. País, p. 7

 

Bolsonaro: Moro queria vaga no STF

Daniel Gullino

Gustavo Maia

Victor Farias

25/04/2020

 

 

Presidente afirma que teve acesso a depoimento

Acompanhado de ministros, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento — em parte de improviso, em parte lido — ontem, no Palácio do Planalto, para rebater as acusações de seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Bolsonaro acusou Moro de condicionar a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, à sua indicação a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-ministro negou que o cargo de Valeixo tenha sido usado como moeda de troca. —Maisdeumavezosenhor Sergio Moro disse para mim: você pode trocar Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal. Me desculpe mas, não é por ai —afirmou Bolsonaro. O presidente disse que a indicação de Valeixo foi feita por Moro, apesar de a legislação definir que essa é uma “decisão exclusiva do presidente da República”.

— Abri mão disso porque confiavanosenhorSergioMoro. Ele levou a sua equipe aqui para Brasília. Todos os cargoschave são de Curitiba, inclusive a PRF —disse, acrescentando que isso o surpreendeu: — Será que os melhores quadros da PF todos estavam em Curitiba? Mas vamos confiar, vamos dar um crédito... E assim começamos a trabalhar. Bolsonaro afirmou que se falava de interferência dele na PF, mas a troca de uma pessoa na “pirâmide hierárquica do poder Executivo” é uma prerrogativa do seu cargo. Segundo o presidente, ele não precisa de autorização de ninguém para “trocar um diretor”. —Ora bolas, se eu posso trocar um ministro, por que não posso, de acordo com a lei, trocar o diretor da Polícia Federal? Eu não tenho que pedir autorização para ninguém para trocar o diretor ou qualquer um outro que esteja na pirâmide hierárquica do Poder Executivo.

A exoneração do diretor-geraldaPolíciaFederal(PF),nome de confiança de Moro, foi publicada na edição de ontem do Diário Oficial e se tornou a gota d’água para o pedido de demissão, horas mais tarde. De acordo com Moro, a troca seria uma uma interferência política na PF. No Twitter, o ex-ministro escreveu sobre a suposta negociação citada pelo presidente: “Se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF”. No fim do dia, uma edição extra do Diário Oficial oficializou a saída de Moro e republicou a exoneração de Valeixo, agora sem a assinatura do ex-ministro— pela manhã, Moro já tinha dito que não tinha assinado a demissão do subordinado, apesar de seu nome constar no ato. Ele também negou que a demissão tenha sido feita “a pedido”, como foi publicado nas duas edições.

Entre as críticas direcionadas ao ex-ministro, Bolsonaro disse que precisou “quase que implorar” para que Moro investigasse a facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018. Ele disse que a PF deu mais atenção ao assassinato da vereadora Marielle Franco que ao do “chefe supremo”.

— Será que é interferir na Polícia Federal quase que exigir, implorar a Sergio Moro que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe Supremo. Cobrei muito deles aí.

Sobre a investigação da morte de Marielle, o presidente admitiu que pediu à PF para interrogar Ronnie Lessa, um dos acusados no crime, no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN). Bolsonaro relatou ter tido acesso a uma cópia do depoimento, sob sigilo, onde o policial reformado teria dito que sua filha não namorou Jair Renan.

— Eu fiz um pedido para a Polícia Federal. Quase com um por favor: “Chegue em Mossoró e interrogue o ex-sargento”. Foram lá, a PF fez o seu trabalho, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório. Onde ele diz simplesmente o seguinte: “A minha filha nunca namorou a filha do presidente Jair Bolsonaro, porque a minha filha sempre morou nos Estados Unidos” —disse o presidente, que negou a tentar se blindar de investigações.

Bolsonaro também afirmou que a investigação da morte de Marielle o motivou a pedir, no ano passado, a substituição de Ricardo Saadi da superintendência da PF do Rio. Na época, o presidente justificou que a mudança ocorria por questões de “gestão e produtividade”.

—Sugeria troca de dois 27. O do Rio, a questão do porteiro. A questão do meu filho, 04, o Renan, que agora tem 20, 21 anos de idade. Quando, no clamor da questão do porteiro, do caso Adélio, que os dois ex-policiais teriam ido falar comigo, também apareceu que o meu filho 04 teria namorado a filha desse ex-sargento.

Bolsonaro também rebateu as acusações de Moro, dizendo que jamais tentou interferiu em investigações ,“anão ser” nos inquéritos de Marielle e no que investiga a facada.

—Não são verdadeiras as insinuações de que eu desejaria saber sobre investigações em andamento. Nos quase 16 meses em que esteve à frente do Ministério da Justiça, o senhor Sergio Moro sabe que jamais lhe procurei para interferir nas investigações que estavam sendo realizadas —declarou. Nesse trecho, ele olhou para cima e complementou, de improviso, pausadamente.

—A não ser aquelas, não via interferência, mas quase como uma súplica sobre o Adélio, o porteiro e meu filho 04. Ao final, Bolsonaro disse que daria“o sangue” para defender a democracia.

— A pátria vai ter de cada um de nós o seu empenho, o seu sacrifício e, se possível, se for necessário, o teu sangue para defendera democracia e a liberdade —finalizou.