Título: Alívio só provisório
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 03/01/2013, Economia, p. 8

Congresso dos EUA evita abismo fiscal, mas ainda restam impasses em torno de cortes de gastos e do limite para a dívida. Em dois meses haverá novo embate

Os Estados Unidos e os mercados financeiros globais respiraram aliviados no primeiro dia útil de 2013. Às 23h da véspera (2h de ontem em Brasília) foi aprovado pela Câmara dos Representantes o acordo que evitou uma catástrofe econômica batizada de abismo fiscal. Após longas e tensas negociações, os deputados confirmaram o pacote legal que havia sido chancelado pelo Senado na madrugada de terça-feira, 1º de janeiro. As regras impedem aumentos automáticos de impostos e cortes de gastos que levariam a maior economia do planeta à recessão, com impacto negativo sobre os demais países. Não à toa, a notícia sobre o consenso para driblar o buraco de US$ 600 bilhões levou otimismo às bolsas de todo o mundo, com altas de até 3%.

O acordo no Congresso foi uma clara vitória do presidente democrata Barack Obama, reeleito com a promessa de resolver problemas econômicos por meio, dentre outras medidas, de aumento dos impostos sobre os norte-americanos mais ricos. A oposição republicana, que domina a Câmara, foi forçada a referendar uma proposta contrária ao que defende em seu programa. O entendimento bipartidário resolve ainda, em caráter provisório, as incertezas quanto à capacidade de os Estados Unidos resolverem profundas divergências políticas para impedir uma piora da situação econômica. A recuperação depois da crise iniciada em 2008 e 2009, a maior em 80 anos, está só começando.

Resta ainda aos poderes Executivo e Legislativo equacionarem a evolução do endividamento do país, que já passa de US$ 16 trilhões, acima do Produto Interno Bruto (PIB) norte-amercano. Logo após o resultado da votação na Câmara, Obama disse que o acordo representa “apenas um passo” em um contexto de um esforço mais amplo de melhora da economia. Ao classificar o deficit de “demasiadamente alto”, o presidente disse estar “completamente aberto” a um compromisso para reduzi-lo de forma equilibrada no horizonte de até 10 anos. Tecnicamente, as primeiras 24 horas de 2013 foram marcadas pelo abismo fiscal. Ele só não ocorreu de fato em razão dos seus efeitos terem sido encobertos pelo feriado.

Perdas e ganhos

Para especialistas ouvidos pelo Correio, o pior já passou, graças ao acerto celebrado na última hora pelo Congresso, mas continuarão difíceis as negociações visando ajustar receitas e despesas federais nos próximos anos. “Ambos os lados (republicanos e democratas) cederam um pouco. Embora não tenha conseguido tudo o que desejava, Obama garantiu relativa tranquilidade para os seis primeiros meses de seu segundo mandato”, comentou o professor do Ibmec-RJ, Gilberto Braga. Para ele, o tamanho dos desafios fiscais a partir do segundo semestre vai depender da evolução do PIB nos próximos meses. “O presidente ganhou uma batalha, mas não a guerra”, resumiu.

Com 275 votos a favor e 167 contra, a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) pôs fim a duas semanas de confrontos e negociações em Washington, mas não resolveu outros embates políticos sobre o orçamento. Após a resposta pragmática e racional do Congresso diante da forte pressão do calendário para a superação do impasse, o restante dos desafios ainda causa desconfiança em analistas. Os cortes obrigatórios foram suspensos por apenas dois meses. E vão agora coincidir com um momento em que a Casa Branca terá que submeter aos parlamentares o aumento do teto para seus empréstimos. Assim, uma outra onda de ansiedade é esperada a partir de fevereiro.

“O pouco de sossego conseguido nesta semana não elimina o fato de que a economia global segue ameaçada de retração. As dificuldades na Europa estão se agravando, a China se esforça para manter seu crescimento em nível elevado e os Estados Unidos ainda buscam formas de acelerar sua atividade econômica”, avaliou o professor da Fundação Vanzolini, de São Paulo, Ricardo Rocha. No caso norte-americano, o maior problema continua a ser as concepções opostas dos dois maiores partidos. “Todos colocam a América em primeiro lugar, mas os republicanos insistem em responsabilizar os gastos sociais do governo pela perda do dinamismo típico da economia norte-americana”, acrescentou.

Cobrança

Para não viver outros dias de angústia como os da virada de ano, Obama se adiantou ontem, ao pedir aos parlamentares “um pouco menos de drama” quando Congresso e governo forem negociar as próximas questões fiscais — leia-se extensão da autoridade de empréstimo do país. “Embora eu vá negociar muitas coisas, não terei outro debate sobre se devem ou não pagar as contas que eles (republicanos) já acumularam”, disse Obama na Casa Branca.

Em 2011, a disputa com os republicanos sobre o teto da dívida levou a agência de classificação financeira Standard and Poor’s a reduzir a nota das obrigações do país. Obama interrompeu as férias de fim de ano para solucionar o embate em torno do abismo fiscal. Após a aprovação da Câmara, ele voltou ao Havaí para encontrar a família.

O alívio é de fato provisório. Apesar da esmagadora diferença favorável, com placar de 89 a 8, os senadores só conseguiram aprovar a lei para evitar o abismo fiscal às 2h de terça, em plena festa de réveillon. E mesmo com o receio de serem considerados culpados por deixar o país no caos, alguns deputados republicanos receberam no dia seguinte a proposta da pior forma, com ameaças de não votar. O texto final acabou na mesa de Obama, para a sanção presidencial. “Estamos garantindo que os impostos não sejam aumentados em 99% para os cidadãos”, disse o deputado oposicionista David Dreier, da Califórnia.

A votação também enfatizou a posição precária do presidente da Câmara, John Boehner, que vai pedir aos colegas republicanos que o reelejam hoje, quando um novo Congresso for empossado. Ele apoiou o projeto de lei, mas não foi acompanhado pela maior parte de sua bancada. Boehner tinha tentado negociar um grande acordo com Obama para revisar o código tributário e controlar os programas de saúde e de aposentadoria que devem inchar à medida que a população envelhece.

O líder oposicionista não conseguiu unir os correligionários em torno de uma alternativa às medidas fiscais do governo. Com isso, o Imposto de Renda vai subir para as famílias que ganham mais de US$ 450 mil por ano.

De toda forma, o pacote aprovado pelas duas casas do Congresso vai aumentar os deficits orçamentários em quase US$ 4 trilhões nos próximos 10 anos. A decisão sobre corte de gastos de US$ 1,2 trilhão do orçamento federal a ser implementado até 2023 foi novamente adiado, para 60 dias.

“Em um contexto político adverso, os Estados Unidos tentam encontrar um meio termo para duas urgências contraditórias. De um lado, o governo precisa manter estímulos fiscais para garantir a reação da economia. De outro, não pode mais assistir à escalada do deficit sem garantir a mínima previsão sobre como ele evoluirá”, sublinhou o economista Fabiano Pergurier.

Alta nas bolsas

O otimismo após o acordo no Congresso dos EUA para evitar o abismo fiscal embalou o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), que encerrou o primeiro dia útil do ano em alta de 2,62%. Os resultados foram puxados pelas bolsas norte-americanas, que fecharam com variações próximas de 2%. Nesse contexto, o dólar encerrou o dia com leve queda de 0,1%, cotado a R$ 2,04. Os principais pregãos europeus atingiram a maior valorização em 22 meses. Londres subiu 2,25%, Madri, 3,05% e Milão, 3,53%. Os asiáticos também tiveram fortes ganhos ontem, com destaque para Hong Kong, com 2,89%.

China cobra rigor

A China, principal credora da dívida soberana norte-americana, fez ontem duro alerta à Casa Branca sobre os riscos em torno do impasse fiscal. “Os Estados Unidos não podem simplesmente viver para sempre com prosperidade emprestada”, afirmou o governo chinês via agência Xinhua. O texto observou que os políticos parecem relutantes em equacionar passivos de US$ 16 trilhões e “têm escolhido empurrar com a barriga”. “Mas o problema nunca desaparecerá. Em algum momento, o país pode tropeçar e cair num abismo do qual nunca sairá”, advertiram os chineses.