O globo, n. 31675, 27/04/2020. País, p. 4

 

Reação aos favoritos

Aguirre Talento

Gustavo Maia

27/04/2020

 

 

Em carta a Bolsonaro, delegados da PF falam em ‘crise de confiança’

A perspectiva de indicação para o Ministério da Justiça e para a direção da Polícia Federal de pessoas com relações de amizade com a família do presidente Jair Bolsonaro provocou forte reação de policiais, Legislativo e setores da sociedade, elevando a pressão na crise política instalada desde o pedido de demissão do ministro Sergio Moro. A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) divulgou carta aberta a Bolsonaro com duras críticas às tentativas de interferência e alertando para uma “crise de confiança” e “instabilidade constante” nos trabalhos do novo diretor-geral.

As nomeações de Jorge Oliveira, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, para o posto de ministro da Justiça no lugar de Moro e do atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal eram dadas como certas até a noite de ontem, mas ainda não haviam sido oficializadas.

A carta da ADPF, que reúne cerca de 2.300 delegados — mais de 90% da categoria— simboliza a repercussão das acusações feitas por Moro na corporação. A associação costuma se pronunciar dessa forma apenas em momentos que considera sensíveis.

O documento alerta Bolsonaro que as investigações e os relatórios de inteligência da PF são sigilosos e não existe previsão do fornecimento de informações à Presidência, como o presidente admitiu que queria. Diz também que não cabe à instituição produzir “um resultado específico desejado” na investigação sobre a facada contra Bolsonaro eque solicitações de investigações pelo presidente devem respeitar canais hierárquicos e formalidades do serviço público.

“Da maneira como ocorreu, há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados de Polícia Federal, que prezam pela imagem da instituição. Nenhum delegado quer vera PF questionada pela opinião pública acada ação ou inação. Também não quer trabalhar sob clima de desconfianças internas. O contexto criado pela exoneração do comando da PF e pelo pedido de demissão do ministro Sérgio Moro imporá ao próximo Diretor um desafio enorme: demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão. Assim, existe o risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão”, diz o documento.

O texto termina com um pedido para que Bolsonaro firme compromisso público de que o novo diretor-geral terá total autonomia para montar sua equipe e realizar seus trabalhos e também pede que o presidente envie duas propostas ao Congresso Nacional: uma estabelecendo mandato para o cargo de diretor geral escolhido por uma eleição interna e outra prevendo autonomia para a PF.

Para contornar essa desconfiança, fontes próximas a Ramagem apontam que ele, caso confirmado, deverá evitar mudanças bruscas nos postos de comando. Segundo interlocutores, a expectativa é que, em um primeiro momento, Ramagem troque as diretorias em Brasília, hoje com pessoas de confiança do antecessor Maurício Valeixo, mas evite promover uma mudança generalizada nas superintendências nos estados. Isso provocaria resistência e alimentaria a desconfiança.

FALTA DE APOIO

Integrantes da Procuradoria Geral da República (PGR) avaliam que a nomeação de Jorge Oliveira para a pasta da Justiça demonstra o isolamento político do presidente e transmite uma mensagem de falta de credibilidade, porque há uma tradição de que o ministério seja comandado por personalidades respeitadas no mundo jurídico.

Parlamentares também manifestaram preocupação com as indicações. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOLRJ) anunciou que apresentará uma ação na Justiça Federal pedindo que apos sede Ramagem seja barrada, porque a indicação conteria desvi ode finalidade e pode apresentar risco à independência da PF. Freixo afirma que a ação será protocolada assim que a nomeação for oficializada.

— Há provas contundentes de relações pessoais com familiares do presidente sendo investigados. Na nomeação, precisa prevalecer o interesse público —afirmou.

RELAÇÕES ANTIGAS

Jorge Oliveira tem relação antiga com o presidente e sua escolha para a pasta da Justiça se deve, segundo auxiliares de Bolsonaro, à relação de “extrema confiança” entre os dois. Ele chegou a resistir ao convite e avisou a Bolsonaro temer que sua nomeação fosse interpretada como uma intenção de “interferir na PF”, mas acabou sendo a opção preferida do presidente.

Ele já trabalhou como assessor em seu gabinete na Câmara dos Deputados e foi chefe de gabinete de um dos seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP), de quem foi padrinho de casamento em 2019.

Já Ramagem tem boa reputação dentro da PF e é citado como bem preparado tecnicamente por seus colegas, mas foi alvo de críticas por sua relação de amizade com os filhos do presidente, principalmente o vereador Carlos Bolsonaro.

Após Moro afirmar que Bolsonaro queria informações sobre inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e acesso a relatórios de inteligência da PF, a indicação de duas pessoas próximas ao presidente aumentou o sentimento de desconfiança sobre as nomeações.

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‘E dai?’, diz presidente sobre ligação dos filhos com cotado para a PF

27/04/2020

 

 

Bolsonaro se refine com advogado de Flavio no caso das ‘rachadinhas‘

 O presidente Jair Bolsonaro usou ontem as redes sociais para rebater novamente a acusação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que tenha interferido na Polícia Federal e justificar uma eventual escolha de Alexandre Ramagem para o comando do órgão, em substituição a Maurício Valeixo, demitido na última sexta-feira. Ramagem é ex-coordenador da segurança de Bolsonaro. Em resposta a uma seguidora sua nas redes, que disse que Ramagem é "amigo dos filhos do presidente", Bolsonaro afirmou:

"E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem. Por isso deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?" Ainda ontem, Bolsonaro se reuniu, por cerca de uma hora, com seu filho e senador, Flávio Bolsonaro (Republica-nos-RJ), e o advogado dele, Frederick Wassef, no Palácio da Alvorada. Nenhum dos dois falou com a imprensa após o encontro. Flávio é investigado em um suposto esquema de "rachadinha" que teria funcionado em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alai).

A reunião aconteceu poucos dias depois da saída de Moro e em meio às discussões sobre a escolha do titular do Ministério da Justiça e do diretor-geral da Polida Federal. Na noite de ontem, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi ao Twitter se manifestar sobre o que classificou como insinuações de que a nomeação do novo ministro da Justiça e do diretor-geral da PF "atenderia a interesses dos   filhos do Bolsonaro".

"Resta saber qual interesse? Nem eu, Flávio ou Carlos respondemos a processo no STF, somos réus ou investiga-do s pela PF", escreveu na postagem, acompanhada de um vídeo. "O que existe é aquela  CPMI das Fake News, aquele circo armado, onde todas as energias são direcionadas, obviamente, contra mim e a minha família. Afinal de contas, a gente faz parte da família do presidente". De acordo como colunista  Merval Pereira, o presidente Jair Bolsonaro demitiu Maurício Valeixo por causa de informações que indicam que investigações sobre fake news estão chegando ao "gabinete do ódio" e ao seu filho e vereador, Carlos.