O globo, n. 31675, 27/04/2020. Especial Coronavírus, p. 13

 

Fábricas de solidariedade

Rafael Galdo

27/04/2020

 

 

Empresas montam UTI, consertam respiradores e doam alimentos

ARQUIVO PESSOAL/CAROLINE AGUIARAlívio na tensão. Profissionais do Hospital Lourenço Jorge, na Barra, recebem doações de lanches que voluntária consegue em pizzarias e restaurantes

A expertise da Ternium, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, sempre foi produzir aço. Mas, em meio à pandemia, a siderúrgica deslocou parte de seus esforços à montagem de leitos de UTI. Em Resende, operários da linha de produção de veículos da Nissan agora fazem a manutenção de respiradores, cruciais na rede de saúde. E as concessionárias do grupo Invepar, que administram a Linha Amarela e o metrô do Rio, passaram a comprar toneladas de alimentos para doar em favelas.

São respostas às urgências potencializadas pelo coronavírus, que impulsionam guinadas no setor privado. Algumas são imediatas e temporárias, com empresas assumindo atividades diferentes de seu negócio principal. Mas, segundo executivos, também há transformações de longo prazo, que estimulam a responsabilidade social e uma relação mais próxima com as comunidades que cercam fábricas, usinas e escritórios.

Na favela Final Feliz, no Complexo do Chapadão, na Zona Norte, o desespero de uma mãe comum filho pequeno em cada braço, sem tero que comer há dois dias, personifica a realidade que a Invepar tem encontrado nas 33 comunidades onde já distribuiu 35 toneladas de alimentos. Antes da atual emergência sanitária,o grupo realizava ações informativas e de empreendedorismo às margens da Linha Amarela e do metrô. Com a pandemia, no entanto, outras missões se impuseram, e foi criada a campanha “Nós”, com o objetivo de doar no mínimo 80 toneladas de alimentos nas áreas mais vulneráveis.

— São pessoas que moram em barracos de lona e madeira, em casas de poucos cômodos, às vezes até sem água — afirma Zilma Ferreira, coordenadora do Instituto Invepar. — Não haverá outra situação como esta para a sociedade tentar se reinventar.

Ela conta ainda que foi aberta um conta corrente para receber qualquer valor em doação. A cada real depositado, o grupo aportará um valor igual para engrossar os donativos.

OFICINAS DE VENTILADORES

Na Ternium, o vice-presidente de Relações Institucionais da usina, Pedro Teixeira, afirma que a epidemia suscitou novas resoluções. A empresa decidiu investir R$ 4 milhões na montagem de 25 leitos de UTI no Hospital municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, que devem estar prontos nos próximos dias. Em paralelo, acionou mão de obra especializada para o conserto de 68 respiradores da rede municipal de Saúde com defeito.

—A pandemia traz reflexões sobre a relação das empresas como poder público. Eque incorpora uma série de valores na nossa rotina —diz ele.

No Sul Fluminense, até concorrentes de mercado no polo automotivo da região se uniram. Ofocot ambé mé a manutenção de ventiladores mecânicos quebrados da rede pública. As fábricas de Jaguar Land Rover, Nissan,

Pe uge oteVolkswagent reinaram funcionários para atarefa, que beneficiará hospitais doestado e de municípios do Médio Paraíba. Asinst alações da Lan dR o ver, em Itatiaia, viraram o hub da iniciativa, onde nos últimos dias têm trabalhado pessoas como Vitor Oliveira, de 24 anos, originalmente operador da Nissan, em Resende:

—Nunca imaginei trabalhar com equipamentos hospitalares. É um aprendizado.

A Nissan negocia ainda a cessão de 20 carros para estado e municípios transportarem equipamentos e medicamentos. Atitudes que, para Marco Biancolini, diretor da fábrica, terão ecos futuros:

—Competitividade à parte, as montadoras entendem que a sinergia poderia ser ampliada, para um trabalho maior com a sociedade.

Imbuída de espírito semelhante, a Rede D’Or lidera um pool de empresas responsáveis pela construção dos hospitais de campanha do Leblon —já inaugurado —e o do Parque dos Atletas, na Barra. Enquanto que a Coca-Cola Brasil criou um fundo de apoio a 70 comunidades, oito delas no Rio, entre as quais a Cidade de Deus, e garantirá renda mínima de R$ 600 mensais, por dois meses, acatadores de 16 cooperativas fluminenses.

—Temo suma visão delongo prazo, de que estamos todos conectados —afirma Henrique Braun, presidente da Coca-Cola Brasil.

VOLUNTARIADO QUE UNE

Também foi a solidariedade que juntou restaurantes e pizzarias, com um empurrão da voluntária Caroline Aguiar, moradora da Barra. Ela planejava pôr em prática a ideia de minimercados gratuitos, parecidos com os que tinha ajudado nos EUA, onde morou, em incêndios florestais na Califórnia. A ideia, contudo, ganhou outra dimensão quando empresas como Forneria, Pappa Jack e Snack Popai, entre outras, aceitaram sua proposta.

— No meu carro, eu levaria comidinhas e lanches que dessem uma sensação de conforto a profissionais de saúde na linha de frente do combate ao coronavírus. Pensava em doar para o Ronaldo Gazolla. Mas deu tão certo que hoje consigo entregara oito hospitais municipais—conta Caroline.

—Vejo a exaustão no rosto desses profissionais e acompanho histórias que estão mudando a minha vida —ressalta ela, que tem tido apoio da Secretaria municipal de Saúde.