O globo, n. 31675, 27/04/2020. Negócios e leilões, p. 21

 

Máscaras: renda e solidariedade

João Emílio

27/04/2020

 

 

Produções caseiras contra a pandemia ganham cores, irreverência e estilo 

DIVULGAÇÃO ELIARTE-ATELIÊEstampas divertidas. Tecidos com motivos infantis ou irreverentes transformam as máscaras contra o coronavírus em novos acessórios

 Uma recomendação feita pelo Ministério da Saúde no dia 1º de abril, por meio do então ministro Luiz Henrique Mandetta, soou como música aos ouvidos de muitas pessoas que têm talento, criatividade e solidariedade à flor da pele: a utilização de máscaras caseiras pela população ao sair nas ruas, como forma de ajudar a combater o coronavírus. A produção das peças foi uma “tábua de salvação” para quem perdeu a fonte de renda, mas sabe e gosta de costurar.

A proteção do rosto – necessária a partir do aumento de casos positivos e de assintomáticos – passou a fazer parte de todos os cenários e ganhou uma infinidade de estilos e padrões, que tornaram o acessório estiloso e, muitas vezes, exclusivo. A ideia é enfrentar um período tão difícil para todos com cores vivas e temas divertidos, transformando as máscaras em um novo acessório.

Um negócio social que empodera mulheres refugiadas como costureiras, Mulheres do Sul Global entrou em quarentena em meados de março. O ateliê foi fechado, gerando um período de angústia para a idealizadora Emanuela Pinheiro, que temeu pela continuidade do negócio. A recomendação do Ministério da Saúde mostrou uma luz no fim do túnel: com tecido branco e elásticos doados por entidades parceiras, ela e as costureiras criaram um protótipo de máscara no dia 4 de abril e cortaram de início 200 unidades de dupla proteção, com abertura para colocação de filtros de café.

Em duas semanas, a produção chegou a 5 mil máscaras, costuradas por 42 profissionais refugiadas, muitas em home office, garantindo a sobrevivência do ateliê. A divulgação é feita por Emanuela pelo WhatsApp. As máscaras são vendidas em lotes de dez unidades, ao custo de R$ 12 cada uma, e entregues por um motoboy em todos os bairros do Rio com taxas a partir de R$ 15.

Além das vendas para pessoas físicas, uma empresa comprou 500 máscaras para distribuir aos moradores do Morro Dona Marta, em Botafogo. “Foi uma oportunidade muito importante participar desde momento e ajudar a manter a rendas das mulheres refugiadas que não têm os benefícios do governo”, diz Emanuela.

QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

Em Teresópolis, a empresária Ana Paula Nicodemos, dona da Mania de Costura, especializada em reparos e reformas de roupas, consertava cerca de 800 peças por mês. De um dia para outro, ficou sem clientes e sem saber o que faria para manter o negócio e sobreviver. De 13 de março, quando foi determinada a quarentena, até o final daquele mês, ficou totalmente sem trabalho. No dia seguinte à recomendação do ex-ministro, ela pegou sobras de tecidos 100% algodão e começou a produzir máscaras.

O ateliê oferece quatro modelos: pregas simples, modelador de nariz (não embaça os óculos), tipo ninja e prega central. São cerca de 300 unidades por semana, com destaque para o modelo hospitalar, a mais vendida.

O custo varia de R$ 10 (infantis), R$ 12 (adultos) e R$ 25 (exclusivas, com aplicação de strass, pedras e renda). “Mesmo na pandemia, há clientes que querem um item diferente, com estilo”, diz ela, informando que as de algodão com pregas são as preferidas”. Os pedidos são feitos pelo site da Mania de Costura.

Mesmo representando uma saída emergencial, a produção de máscaras não chega aos pés do movimento registrado anteriormente. “Minha receita hoje é de cerca de 30% do que faturava antes”, contabiliza Ana Paula, que teve que negociar o valor do aluguel e dispensar algumas costureiras.

 SOLIDARIEDADE

No Rio, Eliete Manso, dona do Eliarte-ateliê, espaço virtual no Instagram, já trabalhava com artesanato, produzindo cachepot, caixas de chá, kits para recém-nascidos e outras peças de decoupage com tecido. Quando a pandemia chegou ao Brasil, quis produzir máscaras por solidariedade.

O primeiro passo foi enviar uma mensagem no grupo de WhastApp de pais do colégio do filho, oferecendo máscaras de tecidos especiais a R$ 5. “Eu não tinha noção da proporção que iria tomar, as pessoas começaram a pedir 20, 30 unidades, enviaram o contato para outros grupos e, dois dias depois, as encomendas já atingiam 350 máscaras”, conta ela.

A urgência dos pedidos levou o marido e o filho de Eliete a entrarem no projeto: um ajuda a cortar, o outro desvira e passa o elástico. Na semana passada, ela zerou as encomendas de 500 peças e mantém a produção de mais de 50 unidades por dia. “Quando os pedidos fogem do meu objetivo de ajudar a proteger as pessoas e passam por tecidos temáticos ou com estampas exclusivas, os valores sobem para R$ 8 (infantis) e R$ 15 (adultos).”