O globo, n. 31682, 04/05/2020. Especial Coronavírus, p. 5

 

Nova frente

Bela Megale

Guilherme Caetano

04/05/2020

 

 

PGR vai investigar caráter antidemocrático dos atos

A manifestação realizada ontem na capital federal, em apoio ao governo Jair Bolsonaro e com ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), será alvo de análise da Procuradoria-Geralda República (PGR).

O chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, afirmou, em nota, que deve se reunir hoje com procuradores de sua equipe para analisar se durante a manifestação os participantes voltaram a defender atos antidemocráticos, como ocorrido em 19 de abril.

Na manifestação do mês passado, que também contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro, os manifestantes defenderam uma intervenção militar. O ato já é alvo de investigação solicitada por Aras no STF. Se os procuradores entenderem que a manifestação de ontem teve as mesmas características, ela poderá ser incluída no inquérito aberto no Supremo.

 CONVOCAÇÃO APÓCRIFA

Os procuradores também vão debater o fato de o presidente Bolsonaro não ter usado máscara quando desceu a rampa do Palácio do Planalto para cumprimentar os manifestantes. No Distrito Federal, o uso da proteção é obrigatório.

Depois que o STF autorizou a investigação contra possíveis crimes na organização de manifestações antidemocráticas em abril, os atos realizados ontem em Brasília e em outras cidades, como São Paulo, foram convocados de maneira diferente do usual: as chamadas foram apócrifas e não contaram com a ajuda pública da tropa de choque do governo Jair Bolsonaro.

Mensagens compartilhadas por apoiadores do presidente nas redes sociais, nos últimos dias, evitaram identificar os organizadores.

Como nas últimas manifestações, o ato de ontem teve ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao Congresso.

A novidade foram os insultos ao ex-ministro Sergio Moro. Antigo ídolo dos apoiadores de Bolsonaro, o ex-juiz da Lava-Jato virou alvo da fúria dos bolsonaristas desde que deixou o comando do Ministério da Justiça, no dia 24 de abril. Em sua despedida, Moro acusou o presidente Bolsonaro de querer interferir politicamente na Polícia Federal.

As acusações são alvo de uma investigação solicitada pela PGR e autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello.

Bolsonaro tratou o protesto de ontem como um movimento “espontâneo”.

— (É uma) Manifestação espontânea, pela liberdade, pela governabilidade, pela democracia. Isso nunca aconteceu em governo nenhum — afirmou o presidente, ao deixar o Palácio do Planalto.

INVESTIGAÇÕES

O inquérito aberto a pedido da PGR para averiguar possíveis ataques à democracia, no dia 19 de abril, pode atingir aliados do presidente.

A investigação em curso mira, num primeiro momento, os deputados federais Daniel da Silveira (PSLRJ), que ficou conhecido por rasgar uma placa em homenagem a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, e o Cabo Junio Amaral (PSL-MG), ambos da base bolsonarista. O próprio presidente participou da manifestação, mas não é alvo inicial do inquérito.

Ontem, quando os primeiros vídeos e imagens das manifestações pró-Bolsonaro começaram a circular nas redes sociais pela manhã, aliados do presidente se engajaram na divulgação das publicações.

Os deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e José Medeiros (Podemos-MT), por exemplo, além de blogueiros bolsonaristas como Allan dos Santos e Leandro Ruschel, passaram o dia compartilhando fotos, vídeos e relatos da manifestação.

O grupo conservador Nas Ruas, fundado por Zambelli e que hoje tem como portavoz o empresário Tomé Abduch, envolveu-se no ato, mas manteve suas lideranças longe. Grupos menores, como Direita Minas e Movimento Brasil Conservador (MBC), também ajudaram na repercussão.

O grupo Acampamento Com Bolsonaro, ex-Acampamento Lava-Jato, reuniu se no sábado em frente à sede da PF em Curitiba para protestar contra o depoimento de Sergio Moro. Seus integrantes gravaram um vídeo dizendo que fariam ontem uma carreata.