O globo, n. 31684, 06/05/2020. Opinião, p. 2

 

STF precisa afastar risco do ‘apagão estatístico’

06/05/2020

 

 

A insegurança jurídica e também política, uma das mazelas brasileiras, chega a prejudicar até mesmo o trabalho do IBGE, sob o risco de não poder continuar a coletar dados neste momento especial do país e do mundo, devido à contestação de medida provisória baixada pelo governo para permitir que o instituto se mantenha em campo na realização de suas pesquisas. Não mais de forma física, por pesquisadores, impossibilitados de circular devido à Covid-19 e ao isolamento social, mas por telefone. Para isso, a MP permitiu o acesso do instituto aos dados das operadoras telefônicas, enquanto perdurar a epidemia.

Porém, no país das fakes news — inclusive com a participação de gente do governo —, e de variados outros golpes digitais, a MP levou a uma reclamação judicial pluripartidária (PSB, PSOL, PCB e PSDB) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), junto ao Supremo, contra a medida provisória, sob a alegação de invasão de privacidade. Impede-se a utilização dos dados das operadoras, onde estão número do telefone, nome do assinante e endereço, informações que os pesquisadores do IBGE sempre tiveram, e que são protegidos de quebra de sigilo pela Constituição e pela Lei das Estatísticas.

Sinal desses tempos de insegurança — com um governo que não sabe onde acaba seus limites e começa os do Estado —, a ADI mereceu da juíza Rosa Weber uma liminar, prevista para ser julgada hoje pelo plenário virtual da Corte.

A impossibilidade momentânea de o instituto poder continuar trabalhando fez com que nove ex-presidentes do IBGE alertassem em carta aberta para os graves danos caso, por exemplo, a Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad) seja interrompida, fonte de informações sobre áreas vitais para os governos e a sociedade: emprego, condições de vida da população, educação, entre outras questões.

Daí o uso do termo “apagão estatístico” para designar o que poderá acontecer caso o Supremo, apesar de todas as garantias legais e da fé pública do IBGE, uma instituição de 1934, considere que a ADI está correta.

Não seria aceitável que o IBGE sequer pudesse executar neste momento uma pesquisa domiciliar pedida pelo Ministério da Saúde sobre a Covid-19, para ajudar no planejamento da saída do isolamento social, que não pode ocorrer de forma abrupta, precisa ser calibrada por regiões, cidades e até bairros, a depender de como o coronavírus atingiu cada parcela da população.