O globo, n. 31684, 06/05/2020. País, p. 4

 

Fogo cruzado

Aguirre Talento

Bela Megale

Carolina Brígido

06/05/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou em depoimento que recebeu uma mensagem do presidente Jair Bolsonaro na qual ele teria afirmado expressamente que “queria” a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro sob sua influência. Questionado ontem sobre o motivo de desejar uma troca neste posto, o presidente afirmou que o Rio é seu estado e mencionou a citação indevida do seu nome na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) como um motivo.

No depoimento prestado por Moro no sábado aos investigadores, divulgado ontem, foram detalhadas as pressões feitas pelo presidente para trocar cargos da PF desde agosto do ano passado, que incluíam escolher o superintendente do Rio e demitir o então diretor-geral Maurício Valeixo. Foi após a demissão de Valeixo que Moro deixou o ministério e acusou o presidente.

Moro contou aos investigadores que estava em Washington, nos Estados Unidos, junto com Valeixo, quando recebeu a mensagem explícita de Bolsonaro sobre a troca na superintendência da PF no Rio. “No começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. Valeixo; que recebeu mensagem pelo aplicativo de Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora Carlos Henrique (Oliveira); que a mensagem tinha mais ou menos o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’”, registra o depoimento.

A mensagem mencionada pelo ex-ministro tinha sido apagada do seu celular. Moro disse que após ter o celular invadido por um hacker no ano passado começou a apagar mensagens antigas, tendo apenas comunicações dos últimos 15 dias. A PF espelhou os dados do telefone do ex-ministro e tenta recuperar conteúdos.

Questionado sobre o motivo de ter pedido a troca no Rio, Bolsonaro citou o fato de ser do estado e mencionou o caso Marielle Franco. Bolsonaro foi citado pelo porteiro do condomínio onde mora no Rio como tendo sido o responsável por autorizar a entrada de um dos suspeitos no dia do assassinato. A gravação do sistema interno, porém, mostra que quem autorizou a entrada foi o outro acusado. Bolsonaro estava em Brasília e registrou presença no plenário da Câmara neste dia.

— O Rio é o meu estado, o Rio é o meu estado. Vamos lá. O caso do porteiro. Eu fui acusado de tentar matar a Marielle, quer algo mais grave? Quem quer que seja, o presidente da República ser acusado de assassinato? A Polícia Federal tem que investigar, por que não investigou com profundidade? —disse o presidente.

No depoimento, o ex-ministro disse que não sabia as razões pelas quais o presidente queria indicar um nome de sua confiança para a PF do Rio. Segundo Moro, a primeira tentativa feita por Bolsonaro de escolher alguém para esta função foi em agosto do ano passado, de forma verbal, em uma reunião no Palácio do Planalto. O superintendente na época era Ricardo Saadi. Como o delegado desejava sair, a troca foi feita. Mas em vez de nomear um indicado de Bolsonaro, Valeixo escolheu Oliveira.

Segundo o ex-ministro, em janeiro deste ano ele foi avisado novamente por Bolsonaro de sua intenção de demitir Valeixo e nomear o delegado Alexandre Ramagem para o comando da PF. Moro relata que “pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que como Ramagem tinha ligações próximas com a família do Presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente”.

O ministro apontou “desvio de finalidade” na conduta de Bolsonaro. E entregou aos investigadores as mensagens trocadas com o presidente que já tinham sido reveladas pelo Jornal Nacional, na qual Bolsonaro cita uma notícia da existência de investigação contra deputados bolsonaristas no inquérito que apura ataques virtuais contra ministros do STF como “mais um motivo” para a troca de Valeixo.

CONVERSA NO CELULAR

Bolsonaro, ontem, mostrou aos jornalistas a mesma conversa com um trecho anterior. Neste trecho, Moro descrevia a notícia como “fofoca”. O ex-ministro divulgou uma nota dizendo que buscava minimizar o fato porque a PF apenas cumpre diligências determinadas pelo STF, sabia da intenção do presidente de fazer a mudança e reiterou que cabe ao presidente explicar porque considerava o inquérito como motivo para trocar Valeixo.

A divulgação da íntegra do depoimento provocou agitação no Palácio do Planalto. Assessores examinaram o documento em detalhes e avaliaram que não havia “nada demais” nas declarações de Moro, o que provocou alívio. Interlocutores do presidente consideraram que o depoimento não trouxe provas contundente. Eles apostam que o procurador geral, Augusto Aras, não deve denunciá-lo, mas que, caso isso ocorra, as negociações em andamento com o centrão o ajudariam a barrar a acusação na Câmara.

Os ministros que prestarão depoimento foram orientados a não dar declarações públicas sobre o caso. Moro mencionou em seu depoimento que após sua última reunião com Bolsonaro esteve com Braga Netto, Ramos e Heleno. E que eles procuraram construir uma alternativa para que eventualmente Valeixo fosse substituído por um nome indicado por Moro. O exministro diz que chegou a propor o nome de Disney Rossetti, mas não teve resposta.

“‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’”

De Jair Bolsonaro a Sergio Moro, de acordo com depoimento do ex-ministro

 “O Rio é o meu estado. Vamos lá. O caso do porteiro. Eu fui acusado de tentar matar a Marielle, quer algo mais grave?”

Jair Bolsonaro, presidente