O globo, n. 31684, 06/05/2020. País, p. 6

 

‘Cala a boca, não perguntei nada’

Marco Grillo

06/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro reagiu ontem com irritação e mandou jornalistas “calarem a boca” quando foi perguntado se pediu ao novo diretor-geral da Polícia Federal (PF), Rolando Alexandre de Souza, a troca do superintendente da PF no Rio. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou, ao deixar o governo, que Bolsonaro tinha interesse em trocar o comando da PF e as chefias de Rio e Pernambuco. A suposta ingerência está sendo investigada em inquérito aberto por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro confirmou ontem que o superintendente Carlos Henrique Oliveira deixará o cargo.

—Não tem nenhum parente meu investigado pela Polícia Federal (no Rio), nem eu nem meus filhos, zero. É uma mentira que a imprensa replica o tempo todo, dizendo que meus filhos querem trocar o superintendente(doRio).Para onde está indo o superintendente do Rio? Para ser o diretor-executivo da PF. Eu estou trocando ele? Estou tendo influência sobre a Polícia Federal? Isso é uma patifaria. Cala a boca, não perguntei nada (quando repórteres perguntaram se ele havia pedido a troca) — disse o presidente, em tom irritado, e acrescentou:

— (O delegado Carlos Oliveira) vai ser diretor-executivo a convite do atual diretor-geral. Não interferi em nada. Se ele for desafeto meu e se eu tivesse ingerência na PF, não iria para lá. Não tenho nada contra o superintendente do Rio de Janeiro e não interfiro na Polícia Federal.

Bolsonaro, pelo segundo dia seguido, disse que não responderia aos questionamentos dos repórteres presentes no Palácio da Alvorada. Na segunda-feira, em rápida declaração, chamou de “fofoca” a acusação de Moro. Na manhã de ontem, depois de conversar com apoiadores, reclamou da cobertura do jornal “Folha de S. Paulo”, que afirmou que a troca na superintendência da PF no Rio será feita para atender a um pedido de Bolsonaro —a mudança também foi noticiada pelo GLOBO. Quando foi perguntado se havia feito a solicitação para a troca, disse três vezes aos jornalistas para “calarem a boca”. À noite, Bolsonaro pediu desculpas.

REAÇÕES DE ASSOCIAÇÕES

Em nota, a “Folha” afirmou que “mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro desrespeita a liberdade de expressão e insulta o jornalismo profissional. Seguiremos altivos e vigilantes, cobrindo os atos desta administração com isenção e independência, como fizemos em todas os governos. E, não, a Folha não vai se calar”.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou uma nota em que critica Bolsonaro pela forma como ele se dirigiu a jornalistas. A entidade afirmou que “mais uma vez” o presidente“mostra sua incapacidade de compreendera atividade jornalística e externa seu caráter autoritário ”. A Associação Brasileira de Imprensa( ABI) e a Associação Brasileirade Jornalismo Investigativo( Abra ji) repudiaram o comportamento de Bolsonaro.

O governador do Rio, Wilson Witzel, manifestou-se numa rede social: “Mandar um jornalista calar a boca é tentar calar a boca da democracia. Quando você tem um cargo público relevante na sociedade você precisa responder à imprensa e não agredi-la, ofendê-la, espezinhá-la, humilhá-la”. Já o governador de São Paulo, João Doria, por meio de redes sociais, prestou “solidariedade aos profissionais da imprensa e aos veículos de comunicação”. “Mais uma atitude condenável de desrespeito à imprensa. Cada ameaça à liberdade de expressão atinge a democracia no Brasil. Lamentável a escalada autoritária no País”, afirmou.

Também ontem, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) solicitou à Polícia Civil a abertura de investigação para apurar agressões sofridas por enfermeiros e jornalistas durante manifestações neste fim de semana, em Brasília. A corporação terá 30 dias para finalizar o inquérito.