O globo, n. 31677, 29/04/2020. Opinião, p. 2

 

Bolsonaro insiste em ter acesso especial à PF

29/04/2020

 

 

O presidente Bolsonaro passou o fim de semana pronto para cometer mais um grave erro com a nomeação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para a vaga deixada por Sergio Moro na Justiça e Segurança Pública, bem como a do delegado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal. Depois de ouvir insistentes conselhos, consta que dos militares do Planalto, Bolsonaro recuou e cometeu metade do erro: nomeou Ramagem.

Depois do depoimento prestado pelo ex-juiz Sergio Moro sobre as razões que o levaram a sair do governo, as nomeações desejadas pelo presidente começavam a fundamentar o teor da denúncia do ex-ministro: Bolsonaro deseja usar a Polícia Federal para lhe abastecer de informações sobre inquéritos e, ficou evidente, prestar-lhe favores. O chefe do Executivo tem de ser informado pelos organismos de Estado devidos. A PF é uma polícia judiciária, para investigar infrações penais; nem é possível, num estado de direito, o presidente se informar desta maneira. Há protocolos a serem seguidos. Intervir em inquéritos, impensável.

É a Agência Brasileira de Informações (Abin), da esfera do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do ministro Augusto Heleno, um dos generais do Planalto, que tem esta função. Lá estava Alexandre Ramagem, com quem Bolsonaro, ao responder às acusações de Moro, disse que “interagia”. Deve querer continuar a interagir com ele na PF, e aqui está o possível embrião de mais uma crise.

De acordo com o ex-ministro Moro, Bolsonaro está preocupado com investigações da PF feitas no âmbito de inquérito aberto pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, para chegar às origens de fake news sobre a Corte e de ameaças digitais a ministros. Os agentes estariam próximos do vereador Carlos Bolsonaro e do “gabinete do ódio” que funcionaria no Planalto para alvejar biografias de supostos inimigos, sob a gerência do filho vereador carioca. A abertura de outro inquérito sobre a organização e o financiamento das manifestações antidemocráticas das últimas semanas, também com o mesmo ministro, aumenta os problemas para Ramagem na sua interatividade com Bolsonaro.

Considerado um policial competente, e que caiu nas graças do presidente ao chefiar sua segurança na campanha, Ramagem faria uma carreira sem reparos na PF, onde é respeitado. Agora terá de se equilibrar entre a volúpia anti-institucional do presidente e uma corporação que tem fortes anticorpos.

O recuo na intenção de promover Jorge Oliveira, advogado, ex-major da PM de Brasília, da Secretaria-Geral da Presidência para a Justiça, livrou o presidente de enfrentar duras contestações da Justiça e no Congresso. Ramagem é amigo recente dos Bolsonaro, mas Oliveira é visto como quase-filho e quase-irmão. Seria demais. A ida do advogado-geral da União, André Mendonça, para a Justiça e Segurança Pública apaziguou esta área.

Diante de problemas, Bolsonaro costuma se voltar para o clã. Pode ser um movimento psicologicamente compreensível. Mas o Brasil não é a República Dominicana de Trujillo nem o Haiti de Duvalier.