O globo, n. 31674, 26/04/2020. Opinião, p. 2

 

Bolsonaro tenta aliança de alto risco com Centrão

26/04/2020

 

 

Jair Bolsonaro é vítima dos próprios erros e contradições. Tendo passado 28 anos no Legislativo e transitado por nove partidos, elegeu-se à Presidência com o discurso da antipolítica e a promessa de realizar um governo à equidistância do Parlamento e dos canais institucionais disponíveis no modelo da democracia liberal.

Em 16 meses de governo, a completar nesta semana, Bolsonaro apostou no conflito permanente com o Congresso e o Judiciário. E transformou a Presidência naquilo que, hoje, é reconhecido como o principal vetor de instabilidades na República, depois da pandemia do novo coronavírus. Nesse período mudou 36% do ministério, reflexo direto da conversão do Palácio do Planalto em usina de crises. As duas últimas aconteceram no intervalo de apenas oito dias, exclusivamente por sua iniciativa. Resultaram nas demissões dos ministros Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e de Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública.

Nas mudanças na Saúde, na Justiça e Segurança Pública, em meio a uma pandemia de consequências sem precedentes para 212 milhões de brasileiros, as motivações por ele confessadas foram todas de natureza pessoal. Ou seja, não houve uma “causa” pública, com lastro nas boas práticas administrativas, como prevê a Constituição que todo presidente jura defender ao tomar posse. Bolsonaro, agora, tenta uma guinada política. Depois de se confinar na retórica extremista da antipolítica, e se tornar caso raro de presidente sem partido e sem base minimamente relevante no Congresso, negocia a construção de uma base parlamentar, franqueando o governo a lideranças políticas notórias pela administração de redes clientelistas. É legítimo, mas suas escolhas são passíveis de questionamento. A começar pela preferência pela aliança com um grupo de líderes partidários onde quase todos estiveram ou ainda estão no centro de investigações sobre corrupção. Foram beneficiários do mensalão e dos desvios nos contratos da Petrobras nos governos de Lula e Dilma Rousseff.

Trata-se de um conjunto de partidos cujo objetivo é a garantia de vantagens governamentais, via cargos e privilégios orçamentários, para manutenção das respectivas redes patrimoniais e clientelistas. O prognóstico sobre alianças com esse núcleo de partidos, conhecido como Centrão, é o de que Bolsonaro tende a cair nos braços do fisiologismo e clientelismo, que ele diz condenar. Mais ainda agora com receio de um impedimento pela sucessão de possíveis delitos de que foi acusado pelo ex-ministro e juiz Sergio Moro. É filme visto e revisto com Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temer, cujo final é bem conhecido: governo paralisado, Congresso interditado na agenda das reformas —cruciais ao pós-pandemia —, e com sequelas que tendem a agravar um ciclo de dificuldades econômicas que já perdura por uma década.