O globo, n. 31674, 26/04/2020. País, p. 8

 

Fragilizado, Bolsonaro tem caminhos opostos a seguir

João Paulo Saconi

26/04/2020

 

 

Analistas apontam que presidente pode optar por selar aliança com o centrão ou radicalizar para agradar à sua base mais fiel 

EVARISTO SÁ/AFP/19-04-2020Apoio. Jair Bolsonaro participa de manifestação em Brasília: em crise, presidente precisará escolher caminho a seguir

 O pedido de demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça pode comprometer a principal base política do presidente Jair Bolsonaro, que o acompanha desde as eleições de 2018. Essa é a avaliação de analistas ouvidos pelo GLOBO após as acusações do ex-ministro de que o presidente tentou interferir na Polícia Federal (PF). Diante da queda no apoio, o futuro de Bolsonaro se divide em caminhos opostos: buscar uma nova base política e social ou radicalizar cada vez mais para agradar à parcela mais fiel que restou em suas fileiras. Além da perda do capital político emprestado por Moro ao Palácio do Planalto nos últimos 16 meses, os analistas apontam que as denúncias feitas em sua saída e os possíveis desdobramentos políticos e judiciais teriam potencial para debilitar o chamado “núcleo duro” do bolsonarismo.

O cientista político e professor Carlos Pereira, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV), avalia que, antes da demissão de Moro, amaneira como Bolsonaro encarou a crise causada pelo novo coronavírus criou uma ruptura em sua maneira de governar, inaugurada em janeiro do ano passado. E, juntas, tanto a pandemia quanto a saída de Moro afastaram parte do eleitorado que ainda se mantinha junto ao presidente. A ausência dessa parcela, de acordo com Pereira, pode levar o governo a vislumbrar vantagens na transformação do perfil de sua base.

— Desde o início,Bolsonaro escolheu governar deforma minoritária e plebiscitária, porme iode conexões diretas coma sociedade e principalmente com seus apoiadores. Essa estratégia conferia a ele o apo iode cer cade 30% da população, a despeito de sua perda rápida de popularidade. Tratava-se de um “núcleo duro” que poderia conduzi-lo até a reeleição, mas a pandemia foi um choque tectônico dessa estratégia —pontua Pereira. Uma saída possível para essa situação de fragilidade seria uma aliança com o chamado centrão, o que contraria o mantra bolsonarista de que o governo não vai ceder à “velha política”.

— Seriam movimentos conjuntos. Como abus capelo “centrão” podes era solução para a necessidade de sustentação no Congresso diante dos diferentes pedidos de impeachment, o núcleo duro, já incomodado com os últimos acontecimentos, podes e afastar ainda mais. Para continuar, Bolsonaro terá que agregar uma nova parcela da população, diferente da que o elegeu.

Ao meu ver, há uma janela de oportunidade para que essa parcela seja ade pessoas de baixa renda —diz Pereira. Professor do departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, o pesquisador David Nemer acompanha de perto a rotina de grupos de apoiadores do presidente Bolsonarono WhatsApp, além de observar com frequência os impactos da militância em outras redes. Nemer concorda que os acontecimentos das últimas semanas fizeram com que o “núcleo duro” do bolsonarismo se reduzisse, e vê um movimento oposto ao de Pereira: radicalização para manter esta base social.

—A única fração de apoiadores que ainda se sente motivada alutar por Bolsonaro é a que tem ido para a rua em protestos pelo governo. As saídas dos ministros Moro e (Luiz Henrique) Mandetta (Saúde) agravaram essa diminuição. Com Mandetta, os grupos de WhatsApp perderam em torno de duas a quatro pessoas. Com Moro, entre dez e 12 membros—diz o pesquisador. Nemer vê conexões entre os discursos da base e os de Bolsonaro e aponta esse processo como possível agravante para aposturado presidente nos próximos meses:

—Ao mesmo tempo em que o presidente é gerador de sua base, elet ambé mé refém dela. Se ela se radicalizar ainda mais, ele pode fazer o mesmo.