Título: Reflexo direto em outras ações
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 23/12/2012, Politica, p. 3
Decisões do STF com relação à Ação Penal 470 servirão como jurisprudência para processos que estão na primeira instância. Condenados não poderão mais ser considerados réus primários
As decisões do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 afetaram a vida dos 37 réus do processo, mas também influenciarão o destino das mais de 40 ações que tramitam na primeira instância relacionadas ao mensalão. Muitos dos parâmetros adotados pela Corte devem ser seguidos pelos juízes que vão julgar os processos acumulados nas varas federais nos últimos sete anos. Os entendimentos do Supremo de que recursos públicos abasteceram o mensalão e de que o episódio não foi uma arrecadação de caixa dois, mas um esquema de corrupção, serão as bases para as ações ainda pendentes.
Além da fixação de jurisprudências para os processos de primeira instância, a condenação pelo Supremo pode causar um grande impacto nas ações que têm como réus os acusados da Ação Penal 470. Se as decisões nos tribunais inferiores ocorrerem após o trânsito em julgado da condenação no STF, os réus não poderão ser considerados mais primários e os antecedentes criminais são agravantes para o cálculo das penas. Nenhum acusado da Ação Penal 470 tinha condenação transitada em julgado mas, como o desfecho do processo do mensalão, os juízes de primeira instância poderão aumentar a pena base.
O ex-deputado Roberto Jefferson é réu ao lado de outras oito pessoas em uma ação penal que tramita na 10ª Vara Federal de Brasília. Ele responde pelo crime de formação de quadrilha por conta do episódio de pagamento de propina a funcionários dos Correios, o que levou à criação de uma CPI e, posteriormente, ao surgimento do escândalo do mensalão, denunciado pelo próprio Jefferson. "Quando a decisão do Supremo transitar em julgado, se a de primeiro grau ainda não tiver sido julgada os efeitos de antecedentes criminais poderão ser levados em conta", reconhece Luiz Francisco Barbosa, advogado de Roberto Jefferson.
Investigação O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não é réu em outras ações na primeira instância. Mas o seu caso interessa diretamente a acusados que ainda dependem de uma decisão na Justiça Federal. Corre na 12ª Vara Federal de Brasília um processo em que são investigados outros três ex-dirigentes do Banco do Brasil.
Durante o processo, o Supremo decretou que os recursos do Fundo Visanet que circularam pelo esquema eram públicos e não privados, como sustentava a defesa de Henrique Pizzolato. O advogado Marthius Sávio, que representa Pizzolato, diz que há conexão entre a Ação Penal 470 e a investigação que está na 12ª Vara Federal de Brasília. Ele lembra que os outros ex-dirigentes do BB que não estavam entre os réus do mensalão também assinaram as liberações de pagamento para as empresas de publicidade de Marcos Valério. "Há outras três pessoas que assinam as notas técnicas. Se houve irregularidade, seria preciso apurar a responsabilidade dos quatro, não apenas do Pizzolato. Se há coautoria, deveria ser julgado conjuntamente", diz Sávio, se referindo ao processo que está na Justiça Federal de Brasília.
O que falta Confira o que o Supremo ainda precisar fazer para concluir o processo do mensalão
» O Supremo terá que publicar o acórdão do julgamento. O regimento interno do Supremo Tribunal Federal determina que as decisões devem ser publicadas no Diário da Justiça até 60 dias depois de proclamados o resultado, "salvo motivo justificado". Mas durante o recesso, que começou na última quinta-feira, os prazos processuais ficam paralisados. Se o período regimental for seguido, o acórdão sairá até o fim de março
» Depois da publicação do acórdão, os réus poderão entrar com recursos, os chamados embargos infringentes e de declaração. O primeiro exige pelo menos quatro votos favoráveis aos réus e tem poder de modificar a decisão. Os embargos de declaração servem apenas para esclarecer pontos obscuros do acórdão
» A decisão só vai transitar em julgado depois do julgamento dos embargos. A cassação dos mandatos dos deputados valerá somente depois do trânsito em julgado. Os réus também só começarão a cumprir pena restritiva de liberdade quando não houver mais possibilidade de recurso.
11 - Total de réus do mensalão que cumprirão pena em regime fechado, entre eles, José Dirceu, Marcos Valério e João Paulo Cunha
Acordo de delação
Entre os réus que se livraram de figurar na lista de réus da Ação Penal 470 estão Lúcio Funaro e José Carlos Batista, que eram sócios da Guaranhuns Empreendimentos. A empresa teria sido usada para lavar dinheiro do esquema. Segundo a denúncia, o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP) recebeu mais de R$ 6 milhões por meio da Guaranhuns. Funaro e Batista fizeram acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República e escaparam do processo no Supremo.
Mas eles são réus de uma ação que tramita na 2ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo desde junho de 2008. Quatro anos e meio depois, ainda não houve sentença. A dupla responde por formação de quadrilha e 33 vezes pelo crime de lavagem de dinheiro. Seguindo o entendimento do Supremo, os réus não seriam enquadrados no chamado concurso material — quando a pena é multiplicada pelo número de vezes que o delito ocorreu. Na AP 470, os ministros afirmaram que se tratava de um delito continuado e os réus condenados por lavagem de dinheiro foram punidos uma única vez, mas com um aumento de até dois terços da pena por conta da repetição do crime.
Um entendimento do Supremo deve atrapalhar a vida de Funaro e Batista. Ministros da Corte disseram durante o julgamento que os dois faziam parte da quadrilha do mensalão. Como a legislação penal exige um número mínimo de quatro pessoas para configurar a existência de uma quadrilha, houve ministros que consideraram a presença de Funaro e Batista na organização criminosa para embasar as condenações. O fato de o deputado Valdemar Costa Neto, recebedor dos recursos lavados na Guaranhuns, ter sido condenado também complica a situação dos sócios da empresa.
Marcos Valério também está entre os interessados em adiar ao máximo o trânsito em julgado da decisão do Supremo. Não só para postergar a prisão, mas para evitar os efeitos da condenação. Ele é réu em 21 ações que tramitam na Justiça Federal de Minas Gerais, muitas delas relacionadas ao escândalo do mensalão. O advogado do empresário, Marcelo Leonardo, não acredita que a Ação Penal 470 terá influência decisiva nas ações de primeira instância. "Cada processo é um processo e será analisado com base nos autos. As decisões do Supremo foram tão inéditas em termos de divergência com relação ao entendimento do tribunal em processos anteriores que não acredito que elas possam servir como parâmetro", comentou o advogado. (HM)