O globo, n. 31676, 28/04/2020. País, p. 7

 

Uma nova interferência

Leandro Prazeres

28/04/2020

 

 

Para MP, presidente viola lei ao revogar ato do exército

BRUNO KAIUCA/28-05-2019Normas. Portarias do Exército revogadas estabeleciam critérios para controle, identificação e rastreabilidade de munições e armas no Brasil ou importadas

A procuradora-regional da República Raquel Branquinho enviou uma representação à Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) que aponta indícios de que o presidente Jair Bolsonaro violou a Constituição ao interferir no Exército, para que a instituição revogasse três portarias sobre o controle de armas e munições. A regulamentação do controle de armas cabe à Força Armada. Há dois procedimentos na procuradoria do DF que investigam o caso.

Raquel Branquinho pede que o requerimento seja distribuído a um procurador para que, se for necessário, tome providências para que o governo cumpra a Constituição e o Estatuto do Desarmamento. A partir da distribuição do requerimento, é possível que haja a abertura de uma investigação sobre o caso. O conteúdo do ofício foi divulgado pelo jornal“O Estado de S. Paulo ”, e também obtido pelo GLOBO.

Neste mês, o Exército revogou, por ordem de Bolsonaro, as portarias 46,60 e 61. Elas estabeleciam critérios para controle,i dentificação e rastreabilidade de munições e armas fabricadas no Brasil ou importadas sob o pretexto de atenderem a atiradores esportivos, colecionadores ou para o abastecimento de quartéis. Segundo a procuradora, a revogação das portarias facilita o acesso de criminosos a armas e munições desviadas.

No Twitter, o presidente justificou a revogação das portarias alegando que elas não se adequavam às diretrizes dos decretos assinados por ele sobre o assunto. Uma das principais bandeiras de Bolsonaro durante a campanha eleitoral foi a flexibilização das normas para aquisição de armas e munições no país.

Na avaliação da procuradora, ao determinara revogação, Bolsonaro violou a Constituição: “Ao assim agir, ou seja, ao impedir a edição de normas compatíveis ao ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da atividade desempenhada pelo Comando do Exército, o senhor Presidente da República viola a Constituição Federal, na medida em que impede a proteção eficiente de um bem imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é a segurança pública ”.

Em sua representação, Raquel aponta que, ainda que o presidente tenha“poderes regulamentadores ”, não haveria espaço para “ideias e atitudes voluntaristas” coma finalidade de“atendera um aparcela dos eleitores” do presidente.

Segundo a procuradora, o caso representa “uma situação extremamente grave” e que tem o potencial de “agravar a crise de segurança pública vivenciada no país” na medida em que organizações criminosas são “abastecidas por armas e munições, cujas origens são desconhecidas pelo Estado brasileiro”.

O ofício de Branquinho foi juntado a um outro procedimento que investiga o mesmo assunto. Ainda não há definição sobre se o requerimento feito pela procuradora dará início a um novo procedimento investigatório. A Presidência da República não quis comentar o assunto.

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Exorbitâncias

28/04/2020

 

 

NO PRIMEIRO ano de governo, Bolsonaro avançou o sinal ao tentar alterar o Estatuto do Desarmamento por meio de decreto presidencial. Não pôde, teve de enviar projeto ao Congresso. Agora o Ministério Público reage, porque o presidente forçou o Exército a revogar portarias que estabeleciam controles sobre armas e munições.

O PRESIDENTE é investigado pelo MP ao exorbitar mais uma vez de seu poder, e no momento em que é acusado pelo exministro Sergio Moro de tentar o mesmo na Polícia Federal. No caso das portarias, Bolsonaro pode enfrentar uma ação de improbidade ou um inquérito no STF, por ferir a Constituição. Pois também coloca a segurança da população em risco.

AS DENÚNCIAS de Moro seguem na mesma direção. Tudo somado, Bolsonaro deveria entender afinal que presidente não pode tudo.