Título: Inchaço recorde nas masmorras medievais
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 23/12/2012, Brasil, p. 12

Apesar de o ministro da Justiça ter comparado as prisões brasileiras a calabouços da Idade Média, nada foi feito para melhorar a situação, agravada com o aumento da superlotação

No ano em que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse preferir morrer a cumprir pena em presídios brasileiros, o sistema bateu um recorde de inchaço. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado à pasta da Justiça, mostram que foram encarceradas 34.995 pessoas no Brasil no primeiro semestre de 2012, dado mais recente das estatísticas. É o dobro de novos presos registrados no mesmo período do ano anterior. Para piorar a situação, no mesmo tempo em que chegaram quase 35 mil detentos, foram criadas apenas 2.577 vagas (veja arte).

Com o incremento de presos fora de qualquer padrão já verificado, o deficit nas “masmorras medievais”, para usar uma expressão do ministro, está em 42% do total. Nem o aumento expressivo da população carcerária nem a repercussão das declarações de Cardozo fizeram com que os recursos do Ministério da Justiça destinados às prisões brasileiras fossem aplicados de forma integral e ágil. A oito dias de terminar o ano, somente 20% dos R$ 435,2 milhões autorizados para o setor foram pagos (já contabilizados recursos de anos anteriores repassados somente em 2012), de acordo com dados do Siga Brasil.

Mesmo considerando os recursos que a pasta reserva para obras ou serviços contratados mas não executados (os empenhos), a execução orçamentária não chega a 60% do total. A lentidão nos investimentos para a área penitenciária, na avaliação de especialistas, revela uma histórica falta de vontade política. “A despeito da queixa que o ministro fez, o governo está pouco se lixando para a reabilitação do preso. Negligencia a higiene, a saúde, a educação lá dentro”, afirma José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo.

Pela experiência na esfera federal, Silva diz conhecer as dificuldades de investimentos de grande porte, como a área penitenciária. “Não é fácil. Você leva dois, três anos para colocar uma unidade em funcionamento. Mas estamos falando de um governo que está aí há 10 anos. A presidente Dilma Rousseff está completando dois anos no cargo, então essa justificativa não cola”, diz o especialista. Ao longo do tempo, a criação de vagas não acompanha o número de presos que chegam. E o deficit se agrava aceleradamente — passou de 194,6 mil vagas em junho de 2010 para 231,5 mil em junho deste ano. O número recorde de novos presos em 2012, para Silva, é reflexo da escalada da criminalidade. “Não tem nada a ver com um suposto trabalho melhor da polícia. O problema é que a violência cresce rapidamente”, afirma.

Contradição Na avaliação de Carlos André Bindá Praxedes, defensor público e professor de direito penal, o fenômeno reflete a mentalidade cada vez maior de encarceramento no país. “O Brasil, a própria sociedade brasileira acredita que prendendo se resolve todos os problemas, o que nós sabemos, até de forma científica, que não é verdade”, afirma Praxedes.

Segundo ele, autores de crimes relacionados às drogas têm entupido as prisões nos últimos anos. “Há traficantes que devem, sim, ficar atrás das grades porque representam um perigo à sociedade. Mas não são todos os detidos por crime envolvendo drogas. Precisamos pensar se um indivíduo que é drogado deve mesmo estar na prisão”, adverte Praxedes. No Brasil, um quinto dos 549.577 presos foram detidos por tráfico de drogas.

A crítica feita por especialistas na área penal, como Praxedes, é que muitos desses detentos são apenas a ponta da engrenagem do tráfico. Em geral dependentes, são flagrados vendendo ou portando quantidades discutíveis, quase sempre para bancar o vício. Mas, sendo pobres e moradores de periferia, facilmente entram nas estatísticas de “traficantes presos”.