Valor econômico, v.21, n.5012, 01/06/2020. Política, p. A7

 

Mello compara Brasil à Alemanha de Hitler

Isadora Peron 

01/06/2020

 

 

Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello comparou ontem o Brasil à Alemanha comandada por Adolf Hitler e afirmou que "bolsonaristas odeiam a democracia" e almejam instaurar no Brasil "uma abjeta ditadura militar". Ele também disse ser "preciso resistir à destruição da ordem democrática".

Ministro mais antigo da Corte, Celso prepara-se para se aposentar em novembro. Antes disso, porém, foi escolhido para relatar o inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal (PF).

Ontem, o gabinete do ministro não negou o conteúdo da mensagem e afirmou que ela tem cunho "exclusivamente pessoal".

Na manifestação, o decano afirma que, "guardadas as proporções, o ovo da serpente, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933), parece estar prestes a eclodir no Brasil". "É preciso resistir à destruição da ordem democrática, para evitar o que ocorreu na República de Weimar quando Hitler, após eleito pelo voto popular e posteriormente nomeado pelo presidente Paul von Hindenburg, em 30/01/1933, como chanceler (primeiro ministro) da Alemanha ("Reinchskanzler"), não hesitou em romper e nulificar a progressista, democrática e inovadora constituição de Weimar, de 11/08/1919".

Em letras maiúsculas e em um texto cheio de pontos de exclamação, um estilo que o decano usa até em seus votos, o ministro afirmou que "intervenção militar como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, nada mais significa, na novilíngua bolsonarista, senão a instauração, no Brasil, de uma desprezível e abjeta ditadura militar!!!!"

O decano tem sido alvo de críticas do governo devido a decisões no âmbito do inquérito sobre a PF, como a de divulgar, praticamente na íntegra, o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, considerada pela defesa do ex-ministro Sergio Moro como uma peça-chave para a investigação.

Ontem, após a manifestação do ministro ter se tornado pública, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), afirmou que o decano deveria se declarar suspeito "para julgar qualquer coisa que envolva Bolsonaro".

Ministros da Corte têm saído em defesa do decano. Na semana passada, o vice-presidente do STF, Luiz Fux, leu uma mensagem no plenário e disse que o Supremo estava "vigilante contra qualquer forma de agressão à instituição".

A tensão entre Executivo e Judiciário tem sofrido uma escalada e feito Bolsonaro ameaçar descumprir decisões judiciais. As declarações têm sido acompanhadas de perto pelos ministros, mas, apesar do estado de alerta, há um certo ceticismo em relação à possibilidade de o presidente, de fato, elevar a tensão entre os Poderes a esse nível.

Na semana passada, o diálogo com a Corte ficou ainda mais prejudicado porque o presidente do STF, Dias Toffoli, considerado uma das únicas pontes hoje entre os dois Poderes, estava internado. Ele permanecerá afastado, de licença médica, esta semana.

Não à toa, o presidente chegou a visitar Toffoli no hospital no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes autorizou, no âmbito do inquérito das "fake news", uma operação que atingiu aliados do governo e chegou ao chamado "gabinete do ódio", estrutura paralela de comunicação que funciona no Palácio do Planalto e seria coordenada pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente.

Após a ação, Bolsonaro deu declarações exaltadas dizendo que tudo tinha limite, e que não iria aceitar a perseguição de aliados. "Acabou, p...! Me desculpem o desabafo. Acabou!", afirmou.

O presidente também voltou a criticar o fato de muitas decisões contra o governo serem tomadas por um único ministro, e não pelo plenário, de modo colegiado.

Outro momento de tensão foi quando Moraes suspendeu a indicação de Alexandre Ramagem para o comando da PF. A decisão foi monocrática.

Após o agravamento da crise, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, procurou integrantes da Corte para conversar. Outros interlocutores também foram acionados pelo Palácio do Planalto.

O fato de o ministro da Educação, Abraham Weintraub, ter prestado depoimento na sexta-feira foi visto por ministros do STF como um gesto do governo para distensionar o ambiente ficou calado, o que é um direito seu como investigado, mas não descumpriu uma ordem judicial. Em Brasília, chegou a circular o recado de que ele poderia até ser preso caso desrespeitasse uma ordem do Supremo.

Bolsonaro escalou Mendonça para apresentar um habeas corpus na tentativa de suspender a oitiva do ministro da Educação. Weintraub, porém, foi ouvido antes mesmo de o HC ser analisado pela Corte. Ele foi convocado a depor depois de chamar os ministros do STF de "vagabundos" e dizer que colocaria "todos na cadeia".