Correio braziliense, n. 20831 , 04/06/2020. Economia, p.14

 

Ricos embolsam auxílio de R$ 600

Vera Batista

Marina Barbosa

04/06/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Levantamento mostra que 3,9 milhões de pessoas das classes A e B conseguiram sacar o auxílio emergencial. TCU aponta 8,1 milhões de pagamentos indevidos

O Brasil tem 17,1 milhões de famílias nas classes A e B. Integrantes de um terço delas pediram o auxílio emergencial de R$ 600 (desenhado pelo governo para socorrer os mais necessitados diante da crise do novo coronavírus) e 69%, ou 3,9 milhões de pessoas de alta renda, embolsaram o dinheiro, segundo dados do Instituto. O que pode parecer um escândalo para os mais humildes que se aglomeram em filas para receber e aguardam meses a análise dos CPS se tornou prática corriqueira e sem culpa dos integrantes da parte de cima da pirâmide social.

Renato Meirelles, fundador e presidente do Instituto Locomotiva, revela que eles acham que têm direito, “porque consideram que o dinheiro público não é de ninguém”. Do ponto de vista moral e ético também não acham errado e ainda comemoram pelas redes sociais. “Divulgam churrascos regados a cerveja ‘do auxílio emergencial’. Em momento algum pensam que tiram de quem precisa. O curioso é que todos eles dizem que são a favor do Estado mínimo e contra a corrupção”, destacou.

As informações sobre fraudes no acesso ao auxílio emergencial vêm também do Tribunal de Contas da União. Relatório em análise pela Corte indica que os R$ 600 podem ter sido pagos indevidamente a 8,1 milhões de brasileiros. De acordo com o TCU, o valor dos pagamentos indevidos pode chegar a R$ 3,6 bilhões.

O ministro Bruno Dantas, que é o relator da fiscalização no TCU, explicou que a falha foi possível porque, ao cruzar os dados dos brasileiros que pediram o benefício, a Dataprev e o Ministério da Cidadania checaram a renda declarada por esses trabalhadores através do Imposto de Renda, mas esqueceram de avaliar a situação dos seus dependentes junto à Receita Federal.

“As denúncias não param de chegar ao meu gabinete e dão conta de que milhões de filhos da classe média alta, que são dependentes de pessoas que declararam o Imposto de Renda, estão recebendo o auxílio por falta desse cruzamento elementar”, revelou Dantas.          

Ontem à noite, o TCU aprovou um acórdão em que faz uma série de recomendações ao governo federal para aperfeiçoar a análise cadastral e dar mais transparência aos pagamentos do auxílio emergencial de R$ 600. Entre outras providências, o TCU recomenda que o Ministério da Cidadania amplie a base de dados utilizada pela pasta e pela Dataprev para identificar quem tem direito ao benefício, e faça cruzamento de informações com outros bancos de informações, como os da Receita Federal.

Além disso, recomendou que o Ministério da Cidadania e o Ministério da Economia trabalhem em conjunto para publicar um relatório mensal da execução do auxílio emergencial.

Favela

A pesquisa do Instituto Locomotiva foi feita com 2.006 pessoas, em 72 cidades, em todos os estados da Federação, de 20 a 25 de maio. A sondagem levou em conta a renda mensal mínima por pessoa de R$ 1.780 a R$ 7.120 mensais para uma família de quatro integrantes (pouco abaixo da estimada pela FGV, a partir de R$ 8.641). Meirelles lembrou que, embora a simulação aponte renda mínima familiar de pouco mais de R$ 7 mil, a maioria, nesses casos, está na faixa salarial de R$ 10 a R$ 15 mil mensais.

“Somente 2% dessas pessoas disseram que usaram o dinheiro para comprar comida, diferentemente do que constatamos em pesquisa feita nas favelas, onde a maioria que ganha o auxílio o divide com familiares, amigos e vizinhos, para que todos possam comer”, reforça Meirelles. Nas favelas, dois terços dos moradores pediram e 39% não conseguiram os R$ 600. Segundo o fundador do Instituto, as aberrações são consequência, principalmente, da falta de cruzamento entre os diversos cadastros de dados do governo.

A Controladoria-Geral da União também revelou que centenas de militares das Forças Armadas, jovens de classe média, esposas de empresários, servidores públicos aposentados e dependentes já fraudaram o frágil sistema público de tecnologia da informação. Pelos dados da CGU, mais de 160 mil benefícios podem ter sido obtidos de maneira irregular.

O Ministério da Cidadania, responsável pelo auxílio emergencial, esclareceu que aqueles que burlarem a legislação estão sujeitos a penalidades nas esferas cível e criminal. E informou que mantém acordos de cooperação técnica com o TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU) para aperfeiçoar a fiscalização dos benefícios. A Dataprev, que faz o processamento dos cadastros, manifestou o compromisso de seguir as orientações do TCU.

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Mais duas parcelas do benefício

Ingrid Soares

04/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o governo deverá liberar mais duas parcelas do auxílio emergencial. No entanto, não informou o valor do benefício, que deverá ser menor do que os R$ 600 que estão sendo pagos, ficando entre R$ 200 e R$ 300. A declaração foi dada na noite de terça-feira, na entrada do Palácio da Alvorada.

“Esse próprio auxílio emergencial de R$ 600, está quase certo (que haverá) a quarta e quinta parcela, de valores menores um pouco, que está sendo ajustado pelo Ministério da Economia”, afirmou.

Bolsonaro também confirmou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer retomar a Carteira Verde e Amarela, que trata da flexibilização dos contratos de trabalho para incentivar a geração de empregos.

“Ele quer voltar com a Carteira Verde e Amarela, é uma maneira da gente reaquecer o emprego no Brasil. A preocupação é enorme, porque não pode acabar com o auxílio e não ter algo de concreto na praça para atender a milhões de pessoas que ficaram desempregadas”, disse Bolsonaro.

O presidente ainda afirmou que, se não fosse o auxílio, a economia e os brasileiros estariam em uma situação pior. “Os problemas estão se avolumando. O pessoal informal, eu já falei pra vocês, 38 milhões de pessoas, eles perderam quase tudo. Ninguém vende mais biscoito Globo na praia do Rio. Nem vende mate na arquibancada do estádio de futebol e nem no churrasquinho de gato na praça. Isso é a atividade de cada um. Essas pessoas estão em casa graças ao auxílio, que é de todo mundo, é dinheiro de todo o povo. Os R$ 600 (são) para eles, se não o desespero teria batido neles e problemas outros poderiam ter tido”, concluiu.

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Caixa: nível de fraudes é baixo

Marina Barbosa

04/06/2020

 

 

O presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Pedro Guimarães, disse que o número de fraudes que já foram identificadas no pagamento do auxílio emergencial está abaixo do que era esperado pelo banco. “Temos 25% só do que esperávamos de fraude. Então, reduzimos... Há um volume de fraudes inferior ao que esperávamos”, afirmou o executivo, ao ser questionado sobre os indícios de irregularidade que foram apontados pelo TCU.

O presidente da Caixa referiu-se, contudo, às fraudes que podem ocorrer diante da apresentação de documentos falsos nas agências. E disse que não poderia responder sobre as fraudes cadastrais que vêm sendo identificadas pelo TCU e também pela Controladoria-Geral da União (CGU). Ou seja, ao pagamento dos R$ 600 a pessoas que não têm direito ao benefício, mas conseguiram passar pela avaliação cadastral do governo, como presidiários, foragidos da justiça, doadores de campanha, sócios de empresas e brasileiros que moram no exterior.

Aplicativo

Em transmissão pela internet promovida pela Caixa, Guimarães alegou que o número de fraudes no balcão das agências poderia ser maior caso o aplicativo de cadastramento do auxílio emergencial não avaliasse a veracidade dos documentos apresentados pelos brasileiros que querem receber os R$ 600, e caso a Caixa não fizesse a reanálise desses documentos na hora do saque em espécie do benefício, já nas agências bancárias.

“O percentual de fraude que temos no pagamento é muito baixo. Dos 60 milhões que estamos pagando, o número de fraudes é menos de 0,001%, exatamente por causa da tecnologia, do cuidado da Caixa e pela própria índole dos brasileiros”, afirmou.

Guimarães alegou que a Caixa só é responsável pelo recebimento dos cadastros e pelo pagamento de quem foi aprovado para receber os R$ 600. Cabe à Dataprev e ao Ministério da Cidadania avaliar os dados apresentados e comparar as informações com as bases oficiais do governo para identificar quem, de fato, tem direito ao benefício.

“De maneira muito clara, temos divisão dos trabalhos. À Caixa, coube a realização do aplicativo de cadastramento. E, como vimos, 107 milhões de pessoas se cadastraram. Ao Ministério da Cidadania e à Dataprev, cabe a análise do cadastro. Depois da análise, a Caixa só recebe uma informação simples: se a pessoa tem direito a receber ou não e se são R$ 600 ou R$ 1,2 mil. Então, depois pagamos”, afirmou Guimarães.