Correio braziliense, n. 20829 , 02/06/2020. Política, p.3

 

STF decide rumo das fake news

Jorge Vasconcellos

02/06/2020

 

 

BRASIL EXTREMO / » Toffoli marca para o próximo dia 10 julgamento no plenário da ação, que foi instaurada de ofício pelo presidente da Corte e cuja relatoria foi entregue, sem sorteio, para Alexandre de Moraes, no ano passado

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, marcou para o próximo dia 10 o julgamento, pelo plenário, da ação que questiona a tramitação do inquérito que apura ataques e ameaças aos ministros e a disseminação de fake news. Essa investigação está no centro da crise entre o governo e a Corte. Enquanto isso, também ontem, a Polícia Federal intimou apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que estão entre os investigados, a prestarem depoimento.

A ação judicial em questão foi apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade, em 23 de março do ano passado, nove dias após a abertura do inquérito das Fake News. A legenda — que, na sexta-feira passada, pediu a extinção da ação — questiona o fato de o procedimento ter sido instaurado de ofício por Toffoli, ou seja, sem a provocação da Procuradoria-Geral da República. O pedido do partido também contesta a escolha do ministro Alexandre de Moraes como relator da investigação, sem que tenha havido sorteio entre os integrantes do STF, como ocorre normalmente.

Na semana passada, a PF cumpriu 29 mandados de busca e apreensão em endereços relacionados a empresários, blogueiros e outros apoiadores de Bolsonaro, suspeitos de participar, segundo Alexandre de Moraes, de uma “organização criminosa” montada para atacar adversários do presidente nas redes sociais. Horas depois da ação, o presidente voltou a atacar o STF e ameaçou não mais acatar decisões da Corte, elevando ainda mais a temperatura da crise.

Outro pedido de suspensão do inquérito das Fake News no STF foi apresentado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao ministro Edson Fachin. A solicitação foi feita na quarta-feira da semana passada, horas depois da operação de busca e apreensão da PF contra apoiadores de Bolsonaro. O magistrado decidiu enviar o pedido de Aras para o plenário definir, mas o julgamento não foi marcado.

Intimações

Ontem, a PF entregou intimações a bolsonaristas acusados de serem linha auxiliar do chamado Gabinete do Ódio, que dissemina mentiras e ataques contra os adversários do presidente e contra as instgituições da República. Um delas foi para Sara Winter, organizadora do acampamento 300 de Brasília, que reagiu pelas redes sociais. Ela confirmou o recebimento da intimação, mas garantiu que não vai comparecer para o depoimento, hoje, às 14h. “A PF acabou de sair da minha casa, entraram ilegalmente, não se identificaram e vieram deixar uma intimação pra depor daqui a dois dias. Eu não vou! Vão me prender? Me tratar como bandido? Vão ter que se prestar a isso!”, escreveu ela, no Twitter.

Ela também gravou um vídeo em que diz se recusar a obedecer a intimação. “Eu vou incorrer em crime de desobediência porque eu me nego a ir nessa bosta. Eu não vou!”, grita nas imagens. No fim de semana, ela esteve no grupo que fez um protesto em frente ao STF, em que os participantes usavam máscara e empunhavam tochas, à semelhança do grupo racista americano Ku Klux Klan.

O blogueiro Allan dos Santos, outro alvo do inquérito do STF, também afirmou, ontem, no Twitter, ter sido intimado pela PF para prestar depoimento –– marcado para amanhã. Segundo ele, a ida da PF à sua casa foi um “golpe”. “PF na minha casa novamente. Já disse e repito: o golpe já foi dado”, escreveu.

Outro intimado foi o militante bolsonarista Winston Lima, que terá de comparecer à sede da PF na quinta-feira.

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Comparação incomoda governo e aliados

02/06/2020

 

 

Ao comparar a situação atual do Brasil com aquela que culminou com a tomada do poder por Adolf Hitler, na Alemanha, nos anos 1930, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), entrou na mira do governo e de bolsonaristas. O comentário foi feito, particularmente, a alguns destinatários, no domingo passado, mesmo dia em que apoiadores do presidente promoveram um ato em Brasília no qual pediram medidas inconstitucionais, como intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF.

Sem se referir ao decano do STF, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, publicou, ontem, mensagem em rede social na qual afirma que comparar o Brasil à Alemanha nazista “é algo, no mínimo, inoportuno e infeliz”. “A Democracia Brasileira não merece isso. Por favor, respeite o Presidente Bolsonaro e tenha mais amor à nossa Pátria”, reagiu o general.

Para o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), um dos principais defensores de Bolsonaro na Câmara, a manifestação do ministro é uma “demonstração de desequilíbrio emocional” e de “total parcialidade”.

Para ele, isso demonstra que o ministro precisa se declarar impedido e não conduzir nenhum processo que envolva membros do governo. Nunes acrescentou. “Nos chamar de nazistas é muito grave. Injúria e difamação.”

Já o deputado federal Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, não fez por menos e partiu para o confronto com o ministro. “Quando um juiz assume postura enviezada e incita amigos a resistir a uma determinada corrente, deixa de ser magistrado e adentra a arena das paixões políticas; abandona, também, a imperiosa imparcialidade e deve, por lealdade ao País, declarar-se suspeito. Decano, dê o exemplo”, escreveu numa rede social.

Em defesa do colega de Corte, o ministro Marco Aurélio Mello disse ao se aproximar de protestos contra o tribunal –– como o de domingo ––, Bolsonaro “indiretamente apoia o movimento”. “É ruim, porque quando ele (o presidente) chega próximo ou mesmo junto a um movimento desses, ele indiretamente apoia o movimento. Isso não é bom, considerado o entendimento que deve haver entre os poderes”, salientou.

Celso de Mello é o relator do inquérito em tramitação no STF que apura suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal para evitar investigações contra seus parentes –– aberto a partir de denúncia do ex-ministro Sergio Moro. Na mensagem que remeteu a pessoas próximas, o decano disse que “é preciso resistir à destruição da ordem democrática, para evitar o que ocorreu na República de Weimar, quando Hitler, após eleito por voto popular (...) não hesitou em romper e em nulificar a progressista , democrática e inovadora Constituição de Weimar”. Disse ainda que “um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição, em março de 1933, da lei (nazista) de concessão de plenos poderes (ou lei habilitante) que lhe permitiu legislar sem a intervenção do parlamento germânico”.

Segundo o ministro, a intervenção militar pretendida por apoiadores do presidente “nada mais significa, na novilíngua bolsonarista, senão a instauração, no Brasil, de uma desprezível e abjeta ditadura militar”. Para Celso de Mello, os bolsonaristas “desprezam a liberdade e odeiam a democracia”.

Frases

"Nada mais significa, na novilíngua bolsonarista, senão a instauração, no Brasil, de uma desprezível e abjeta ditadura militar”

Celso de Mello, ministro do STF

"A Democracia Brasileira não merece isso. Por favor, respeite o Presidente Bolsonaro e tenha mais amor à nossa Pátria”

Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo