Título: A cartada de Obama
Autor: Martins, Victor; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2013, Economia, p. 8

Congresso dos Estados Unidos prolonga impasse sobre acordo para evitar o abismo fiscal, com cortes de gastos públicos e alta automática de impostos

Os senadores norte-americanos deram sua contribuição para evitar que os Estados Unidos caíssem ontem no chamado abismo fiscal, ao aprovar na madrugada um acordo bipartidário com o objetivo de impedir a perspectiva de aumentos automáticos de impostos e de cortes de gastos. Porém, o fim do impasse, superior a US$ 600 bilhões, que não só ameaça levar a maior economia do planeta de volta à recessão, mas também conspira contra o resto do mundo, ainda precisa passar pelo crivo da Câmara dos Representantes, equivalente no Brasil à Câmara dos Deputados, o que não havia ocorrido até o fechamento desta edição.

Em uma raríssima sessão de ano-novo, por volta das 2h de ontem (5h horário de Brasília), o plenário do Senado aprovou, por 89 votos a favor e oito contra, a proposta defendida pelo presidente Barack Obama, de elevar impostos sobre os mais ricos, preservando taxas mais baixas para a classe média, algo que já vem ocorrendo ao longo de uma década.

Apesar de o país e o mundo respirarem momentaneamente aliviados, o entendimento alcançado por republicanos (oposição) e democratas (governo) foi insuficiente para contornar os elevados deficits orçamentários que ajudaram a levar a dívida dos EUA para US$ 16,4 trilhões, montante pouco acima do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas pelo país), em torno de US$ 15 trilhões.

A aprovação ocorreu tarde demais para o Congresso cumprir o seu próprio prazo na véspera do ano-novo para aprovar leis que impedissem centenas de bilhões de dólares em aumentos de impostos e em cortes de despesas. Na prática, o abismo fiscal entrou em vigor ontem, mas como foi feriado, o impacto real foi postergado e os deputados ganharam algum tempo para aprovar legislação alternativa a medidas fiscais duras.

O acordo para pôr fim ao abismo fiscal depende do apoio da Câmara, controlada pelos republicanos, que reclamam da resistência de Obama em cortar os gastos governamentais, o acusando de priorizar aumento de impostos. "Enquanto nem democratas nem republicanos receberam tudo o que queriam, esse acordo é a coisa certa a fazer para o nosso país e a Câmara deve aprová-lo sem demora", apelou o presidente, pouco antes do início da reunião dos deputados, no começo da tarde de ontem.

Os parlamentares estavam aliviados com o fato de os mercados financeiros estarem fechados, o que lhes dava segunda chance de tentar sair do pior cenário. Eles também consideravam o meio-dia de amanhã como prazo informal para a decisão final do Congresso, quando assumem parlamentares eleitos em novembro. Mas se os parlamentares não aprovarem a legislação logo, os mercados poderão reagir de forma imprevisível a partir de hoje, elevando a preocupação com a ainda lenta recuperação da economia.

"Há mais trabalho a fazer para reduzir nossos deficits, e estou disposto a fazê-lo. Mas o acordo de hoje (ontem) garante que, daqui para frente, vamos continuar para reduzir o deficit via novos cortes de gastos e novas receitas dos mais ricos", acrescentou Obama.

A economista do banco ABC Brasil Mariana Hauer observa que a dívida pública dos EUA vai crescer independentemente do cenário fiscal que se concretizar. "Nenhum dos dois partidos terá o seu desejo satisfeito por completo e o resultado será uma decisão de curto prazo, postergando problemas para o fim deste ano", resumiu.

O projeto aprovado pelo Senado e costurado após longas negociações entre o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnel, também adia por dois meses o corte de US$ 109 bilhões em gastos sobre vários programas, inclusive militares. Se isso prevalecer, será mantido o seguro-desemprego para dois milhões de pessoas por um ano. Torna-se permanente a decisão sobre imposto mínimo que estava prestes a expirar, protegendo cidadãos com nível médio de renda.

Reflexos no Brasil

Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Carlos Thadeu de Freitas, o Senado conseguiu apenas ganhar tempo com o acordo. "Eles não tiraram as incertezas do cenário. A atividade, pelo menos, não deve despencar", avaliou. Segundo Freitas, mesmo os EUA mergulhado na recessão, as repercussões sobre a economia brasileira não seriam tão diretas. "Haveria algum impacto nas exportações e também alguma fuga de capitais. O pior virá se a China for afetada. Aí, sim, o Brasil terá um problema", argumentou.

A economista e sócia diretora da Gibraltar Consulting, Zeina Latif, faz ponderação semelhante. "Temos uma demanda doméstica que se mostrou muito resistente durante a crise de 2008 e continuaria forte mesmo com uma recessão norte-americana. Mas é claro que qualquer problema nos Estados Unidos é ruim para o mundo todo", observou.

Além dos problemas no comércio internacional, se os norte-americanos caírem no abismo fiscal e pararem de crescer, ela acredita que poderia haver fuga de capitais de economias emergentes e piora na confiança dos empresários brasileiros. "Isso retardaria ainda mais a retomada dos investimentos e da atividade econômica no Brasil", alertou.

Creomar de Souza, professor do Ibmec-DF, ressalta, contudo, que as decisões do Congresso sobre a questão fiscal norte-americana têm reflexo direto, sim, sobre a economia mundial e, por tabela, a brasileira. "Os EUA são um importante parceiro comercial do país e uma recessão norte-americana levaria a um terceiro pibinho seguido em 2013", observou.