Valor econômico, v.21, n.5013, 02/06/2020. Política, p. A8

 

Alcolumbre marca votação de projeto que busca combater as “fake news”

Renan Truffi

Vandson Lima

Marcelo Ribeiro

02/06/2020

 

 

Mesmo diante de um Senado dividido, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu marcar para hoje a votação de um projeto que busca combater a disseminação de “fake news”. A versão final da proposta sequer é conhecida porque o relator da matéria, senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi designado apenas ontem, um dia antes da votação. Ainda assim, a proposta é vista como uma forma de responder a grupos bolsonaristas que têm disseminado notícias falsas contra a cúpula do Congresso.

A proposta é de autoria compartilhada - tem como responsáveis o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP) -, mas recebeu diversas críticas de organizações da sociedade civil ligadas ao debate da comunicação na web. Alcolumbre foi alertado ontem, durante a reunião de líderes, sobre esse “açodamento” na tramitação, mas justificou que havia assumido o compromisso público de pautar a matéria.

Diante das articulações contra o projeto, os autores decidiram sugerir uma desidratação do próprio texto. Eles propuseram que sejam retiradas todas as propostas que tratem da checagem de conteúdo e desinformação. Esses artigos seriam apreciados e discutidos posteriormente, sob a coordenação do Comitê Gestor da Internet no Brasil, no prazo de um ano. “Esse texto não trata mais da desinformação em si, mas das ferramentas utilizadas para disseminar a desinformação”, explicou Rigoni, em conversa virtual com jornalistas.

Inicialmente, a proposta do grupo era transferir para as plataformas (Twitter, Instagram, Facebook e etc) a responsabilidade sobre conteúdos gerados por seus usuários. O dispositivo é bastante criticado porque, como impõe penalidades no caso de haver disseminação de desinformação, a tendência é que essas redes sociais passem a deletar ou bloquear qualquer tipo de postagem sensível.

O problema é que, como o projeto já estava em tramitação, todas essas mudanças podem ser aceitas ou não pelo relator, vai depender da análise pessoal dele. Questionado se pretendia aceitar as recomendações, Angelo Coronel disse ao Valor que ainda não havia concluído seu substitutivo. “Ainda não [finalizei]. Vai varar a noite”, respondeu ontem. Nesse contexto, é possível que as próprias bancadas solicitem mais tempo para analisar o conteúdo da medida, o que obrigaria o adiamento da votação.

“O maior problema que temos agora é que ainda não se sabe qual o texto que vai ser votado. Nas últimas semanas, houve um intenso trabalho de diálogo com os autores e várias sugestões feitas pela sociedade civil foram incorporadas, mas até agora não sabemos qual o posicionamento do relator. Será que o senador concorda com as propostas que foram sendo incorporadas ao longo de duas semanas?”, questionou Bia Barbosa, integrante da Coalizão Direitos na Rede, grupo formado por organizações, ativistas e acadêmicos em defesa da internet livre e aberta no Brasil. “Não dá para votar um texto sem termos conhecimento dele e sem apresentar sugestões de emendas a esse texto”, complementou.

Caso as mudanças propostas pelos autores sejam incorporadas pelo relator, há ainda outro motivo de apreensão. Isso porque uma das alterações sugeridas é que os provedores das redes sociais façam a identificação dos seus usuários, inclusivo obrigando a apresentação de documento válido, como RG ou CPF. “É uma péssima ideia. É triste ver isso ser incluído nessa discussão tão apressada. Quando a gente pensa em identificação, automaticamente, as pessoas pensam em CPF. Isso é matar uma mosca com uma bala de canhão. Na internet a gente já tem vários recursos para identificar quem disse o quê: temos IP (número único para cada dispositivo conectado em uma rede), temos metadados, uma série de situações que levam a isso”, explicou Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Julgamento do inquérito no STF será no dia 10

Luísa Martins

02/06/2020

 

 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir no dia 10 de junho se suspende ou mantém em curso o chamado inquérito das "fake news", aberto há mais de um ano por iniciativa do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

Foi no âmbito deste inquérito que, na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes determinou buscas em endereços ligados a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A suspeita é a de que empresários estejam financiando uma rede de blogueiros e influenciadores digitais para a disseminar notícias falsas. Alguns já foram intimados pela Polícia Federal (PF) a prestar depoimento ao longo desta semana.

O pedido para suspender o inquérito das "fake news" foi protocolado ainda no ano passado pelo Rede. A abertura da investigação, motivada pelo aumento no número de ameaças contra ministros e seus familiares nas redes sociais, é repleta de controvérsia.

Primeiro, porque não conta com a participação do Ministério Público, quando o habitual é que o STF só abra inquérito quando provocado pelo órgão acusador. Segundo, porque é genérico tanto quanto a seus alvos quanto aos objetos da investigação, tramitando sob regime de sigilo. Por último, pelo fato de Toffoli ter designado Moraes como relator - normalmente, isso é feito mediante sorteio eletrônico.

A ação que pede a suspensão do inquérito, por exemplo, caiu com o ministro Edson Fachin. Desde maio do ano passado, ele tem pedido para que o caso vá a plenário, mas Toffoli nunca o havia atendido. Depois da operação da PF que resultou em mais uma crise entre o governo Bolsonaro e o STF, Fachin reiterou um pedido de "preferência" e o presidente da Corte finalmente cedeu.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, que inicialmente havia se manifestado a favor do inquérito, mudou de ideia e agora pede a sua suspensão. Sua conduta tem sido criticada por uma ala do Ministério Público, que vê uma tentativa de proteger Bolsonaro. Já o Rede agiu em sentido contrário: em princípio, havia sustentado que o inquérito era inconstitucional, mas, agora que pessoas próximas ao governo estão na mira, entende que ele é válido.

Até o dia 10, prosseguem os procedimentos do inquérito. Ontem, a PF foi novamente às casas dos investigados para intimá-los a depor.

O blogueiro Allan dos Santos, a ativista de extrema direita Sara Winter e o youtuber terraplanista Enzo Momenti foram convocados a comparecer à PF amanhã. Na quinta-feira, devem ser ouvidos o presidente do Instituto Conservador, Edson Salomão, e o militar reformado Winston Lima, organizador de atos bolsonaristas.

O Ministério Público em Brasília estuda pedir à Justiça a prisão de Sara. A hipótese vem sendo cogitada desde que a ativista divulgou vídeo em que ameaça Moraes, mas ganhou força depois que ela liderou ato em que manifestantes usavam máscaras e carregavam tochas - adereços também utilizados pela Ku Klux Klan, grupo supremacista americano. Sara rechaça a comparação, mas o Valor apurou que entre os membros do MPF o paralelo pareceu claro.

Outro processo que incomoda o governo teve desdobramentos. Após pedido da PF, Aras manifestou-se pela concessão de mais 30 dias para a conclusão das diligências no inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na autonomia da corporação. A decisão cabe ao ministro Celso de Mello.