Título: Aceno à conciliação
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2013, Mundo, p. 12

Em raro discurso pela televisão, o líder Kim Jong-un defende o fim da "divisão do país", afirma que a reunificação depende da "remoção do confronto" com o sul e vê em 2013 um momento de "reviravolta radical"

Em meio às críticas da comunidade internacional depois do lançamento de um foguete de longo alcance em dezembro, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, defendeu ontem o fim do confronto com a Coreia do Sul, em um raro discurso de ano-novo que provocou surpresa. As duas Coreias estão tecnicamente em guerra desde o conflito ocorrido entre 1950 e 1953 — que terminou apenas com um cessar-fogo, sem um armistício. A mensagem transmitida pela tevê, aparentemente gravada, foi a primeira do tipo no país desde que o avô de Jong-un, o fundador da Coreia do Norte, Kim Il-Sung, fez um pronunciamento similar em 1994, ano de sua morte. Para especialistas, apesar do aceno à conciliação, a atitude do líder teria mais a ver com um jogo internacional e com uma tentativa de consolidar seu poder. Jong-un chega ao fim do primeiro ano no comando do país, sucedendo o pai, Kim Jong-il, morto em 2011.

O líder anunciou ainda uma "mudança radical" para estimular a empobrecida economia no país, mas não informou como pretende fazer isso. Jong-Un afirmou o desejo de que 2013 represente um ano de "grandes criações de mudanças" e defendeu o regime militar que comanda o país e suas ambições. "O poder militar de um país representa sua força nacional. Só pode desenvolver-se com a condição de construir seu poder militar em todos os campos", disse.

As tensões entre as duas Coreias se mantêm em seu mais alto nível desde que disparos de bombas de artilharia do Norte atingiram a ilha de Yeonpyeng, alcançaram uma base militar sul-coreana e mataram dois soldados (Veja a cronologia). Pyongyang considera Norte e Sul partes de um único país, a República Popular Democrática da Coreia. Ontem, Jong-un disse que era importante pôr fim "à divisão do país". Segundo ele, "alcançar a reunificação é remover o confronto entre norte e sul". "Registros anteriores das relações intercoreanas mostram que o confronto entre compatriotas não leva a nada, apenas à guerra", disse.

O pronunciamento foi considerado por analistas e por veículos de comunicação como uma mensagem à recém-eleita presidente sul-coreana, Park Geun-hye, filha do ex-líder militar Park Chung-hee e de tendência conservadora. Park tem exortado o Norte ao diálogo, mas exige, ao mesmo tempo, que Pyongyang abandone suas "ambições às armas nucleares". No pronunciamento de ontem, Jong-un não mencionou o programa nuclear do país e afirmou que uma pré-condição básica para melhorar as relações é "honrar e implementar as declarações conjuntas entre Norte e Sul".

Para o jornal americano The New York Times, ele se referia aos acordos assinados entre os dois países em 2000 e em 2007 que tinham, como resultado, o investimento e o auxílio de bilhões de dólares do Sul para o Norte, em um esforço de aproximação por meio da economia. A tentativa de reatar os laços se encerrou, de acordo com a análise da publicação, quando os conservadores chegaram ao poder no Sul, com a eleição do presidente Lee Myung-bak, em 2008. Ele suspendeu ajudas e investimentos por falta de progresso no desmantelamento do programa nuclear norte-coreano e por subsequentes conflitos militares.

Pedido de ajuda Na avaliação do especialista Kim Tae-woo, presidente do Instituto Nacional da Unificação da Coreia, em Seul, a mensagem do líder norte-coreano poderia ser ligada a um pedido de ajuda ao sul. "Mas essa atitude não significa necessariamente qualquer mudança substantiva nas políticas da Coreia do Norte para o Sul", afirmou o especialista, citado pela agência Reuters. Opinião parecida tem o professor da Universidade Central de Michigan, Won K. Paik. Em entrevista ao Correio, o analista ponderou que se tratou de uma importante mensagem à presidente sul-coreana e indiretamente à comunidade internacional de que ele estaria inclinado a "melhorar as relações" com o Sul. Mas no fundo, na opinião de Paik, o discurso não passou de um "jogo de palavras".

Mensagem ao Ocidente

Há 19 anos, a Coreia do Norte não assistia a um pronunciamento do governo, em celebração ao ano-novo. O último havia ocorrido em 1994, proferido por Kim Il-sung, o Grande Líder. O discurso de Kim Jong-un pode ser interpretado de várias maneiras. O neto está imitando o estilo de Kim Il-sung, em relação à mensagem, ao tom utilizado e à imagem. Sobre as Coreias, Jong-un afirmou a importância de comunicações previamente estabelecidas, como forma de melhorar as relações entre os vizinhos. Não há nada de novo nisso. É algo típico das velhas mentes da doutrina bélica norte-coreana. Mas trata-se de uma importante mensagem para a nova presidente sul-coreana, Park Gun Hae. O pronunciamento inclui uma mensagem indireta aos EUA e às maiores potências da região, reafirmando que a Coreia do Norte busca melhorar as relações e os esforços cooperativos para promover a paz e a estabilidade da região. Isso pode ser interpretado como um gesto passivo que Pyongyang pretende dar para dialogar com o Ocidente. No entanto, eu não creio que isso possa ocorrer. O discurso também emocionou o desenvolvimento econômico e o bem-estar do povo norte-coreano, reconhecendo que mudanças e grandes reformas são necessárias. Eu consideraria o discurso como um esforço de Jong-un para consolidar o seu poder e o controle sobre o poder militar da Coreia do Norte.

Won K. Paik, sul-coreano, professor de ciência política da Universidade Central de Michigan (EUA)