Correio braziliense, n. 20832 , 05/06/2020. Economia, p.8

 

Governo quer reduzir auxílio extra a R$ 300

Marina Barbosa

Luis Calcagno

05/06/2020

 

 

Ajuda emergencial para trabalhadores informais vai ser prorrogada por mais dois meses, mas Congresso resiste à diminuição do valor de R$ 600, proposta pela equipe econômica. Custo do benefício, atualmente de R$ 50 bilhões por mês, pesa no Orçamento

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, ontem, que o governo vai prorrogar o auxílio emergencial por mais dois meses. No entanto, o valor mensal do benefício de R$ 600 deve ser reduzido para R$ 300, se prevalecer a opinião da equipe econômica. O presidente não esclareceu qual será o novo valor, mas a diminuição da quantia, que tem ajudado trabalhadores informais na pandemia do novo coronavírus, encontra resistência no Congresso Nacional.

O valor de R$ 300 ganhou força nos cálculos do governo porque representa um meio termo entre as propostas que buscam garantir o pagamento do auxílio emergencial por mais um tempo, mas de uma forma que pese menos para os cofres públicos. Segundo fontes do governo, tudo caminha nesse sentido. Porém, ninguém garante que o valor esteja fechado.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que vê um risco na redução do valor do benefício. Segundo ele, existe consenso entre os deputados para manter a ajuda de R$ 600 por até três meses. E cobrou do governo uma posição oficial a respeito da extensão do auxílio.

“A gente entende a preocupação do governo”, disse Maia, referindo-se ao impacto que a medida teria no orçamento da União. “Mas gostaria de ter uma posição oficial. Que o governo encaminhe a matéria e possamos fazer um debate transparente”, disse.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, entende que o benefício deve ser prorrogado por mais “um ou dois meses”, mas em um formato diferente, mais parecido com o Bolsa Família. Ou seja, que o valor caia de R$ 600 para R$ 200 — o que, segundo a equipe econômica, reduziria de R$ 50 bilhões para R$ 17 bilhões o custo mensal do auxílio emergencial. Vale lembrar que R$ 200 foi a primeira proposta da equipe econômica enviada ao Congresso no projeto de criação do auxílio emergencial. A quantia foi considerada irrisória pelo Legislativo, e acabou sendo elevada.

O presidente Jair Bolsonaro concorda com Guedes em reduzir o valor atual do benefício, mas sugeriu que as próximas parcelas poderiam ser um pouco maiores do que a proposta do seu Posto Ipiranga. Bolsonaro já indicou que R$ 200 podem ser muito pouco. Por isso, sugeriu inicialmente que a quarta parcela fosse de R$ 400 ou R$ 300 e a quinta, de R$ 300 ou R$ 200. O governo passou a estudar, então, a proposta intermediária de pagar R$ 300 por mais dois meses.

Rodrigo Maia disse estar sensível ao custo financeiro da prorrogação do auxílio. “É um impacto grande. Vamos buscar soluções dentro do orçamento fiscal normal para construir com o governo uma solução para manter R$ 600 por mais 60 dias. Tem que ser um debate aberto. Todos têm o mesmo objetivo, que é garantir a renda mínima para milhões de brasileiros que perderam, da noite para o dia, capacidade de sustentar as famílias”, destacou.

O que parece estar certo é que a prorrogação não será permanente, já que este um programa caro demais para o governo. De acordo com a equipe econômica, o auxílio emergencial de R$ 600 custa mais de R$ 50 bilhões por mês — mais que o dobro do custo anual do Bolsa Família. Por isso, a ideia da prorrogação é apenas fazer com que o auxílio emergencial não acabe de forma abrupta já a partir do próximo mês, quando muitos trabalhadores ainda estarão tentando sair da crise do coronavírus.

Fechar os moldes da prorrogação e negociá-la com o Congresso não é, contudo, o único desafio do Executivo em relação ao auxílio emergencial. O governo também tem sido criticado pelas fraudes que vêm sendo identificadas pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União (CGU) no pagamento do benefício. E ainda precisa definir o calendário de pagamento da terceira parcela dos R$ 600 para mais de 50 milhões de brasileiros, além de concluir a análise cadastral de mais 11 milhões de pessoas que pediram o benefício, mas ainda não receberam nenhuma ajuda do governo durante a pandemia.

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Festa e churrasco com os R$ 600

Vicente Nunes

05/06/2020

 

 

O governo recebeu denúncias de que jovens das classes média e alta não só receberam duas parcelas do auxílio emergencial de R$ 600, como estão gastando o dinheiro com festas e churrasco. Ou seja, estão cometendo duas irregularidades: embolsando dinheiro público sem fazerem parte do grupo que deveria receber o benefício e descumprindo as regras de isolamento social.

Boa parte desses jovens pertence a famílias de servidores, empresários e de executivos que ganham mais de R$ 25 mil por mês, ou seja, mais de 40 vezes o valor do auxílio criado pelo governo para socorrer pessoas que ficaram sem renda por causa da pandemia do novo coronavírus.

Um empresário cujo filho se inscreveu no sistema da Caixa Econômica Federal para receber os R$ 600, disse que obrigou o jovem a devolver o dinheiro. “Descobri que meu filho tinha recebido o auxílio porque ouvi uma conversa dele com alguns amigos. Ele contava que, com o dinheiro, havia bancado uma churrascada para uma galera”, afirmou.

O jovem estuda em uma das escolas mais caras do Distrito Federal, acabou de ganhar um carro avaliado em mais de R$ 100 mil e passou quase dois anos no exterior bancado pela família. “É inaceitável o que meu filho fez. O pior é saber que vários dos amigos dele fizeram o mesmo”, acrescentou o empresário.

Descalabro

O Tribunal de Contas da União (TCU) acredita que uma das principais falhas na concessão do auxílio emergencial foi o não cruzamento dos dados detidos pela Dataprev e pelo Ministério da Cidadania com as informações em poder da Receita Federal. Se isso tivesse sido feito, o governo teria constatado que esses jovens fazem parte de famílias abonadas. Eles aparecem como dependentes nas declarações de renda.

Pelos cálculos do TCU, pelo menos 8,1 milhões de pessoas receberam, ilegalmente, o auxílio emergencial de R$ 600. Segundo o Instituto Locomotivas, um terço das famílias das classes A e B pediu ajuda oferecida pelo governo, sendo que 69% das solicitações foram aprovadas. Ou seja, 3,9 milhões de famílias das classes média e alta têm alguém que embolsou ilegalmente os R$ 600.

Diante desse quadro estarrecedor, o ministro Bruno Dantas, do TCU, recomendou que o governo aprimore os mecanismos de controle das concessões dos benefícios. Além de barrar aqueles que tentam fraudar o sistema, a meta do Tribunal é que o governo alcance pelo menos 2,7 milhões de pessoas consideradas “invisíveis”. São aquelas que não têm acesso à internet ou não sabem ler e escrever.