Título: Dívidas e muitos problemas
Autor: Paganini, Arthur; Abreu, Roberta
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2013, Cidades, p. 22
Novos prefeitos assumem o comando dos municípios vizinhos e apontam situação caótica, que coloca a região cada vez mais dependente do Distrito Federal. Débitos exorbitantes, salários atrasados e obras paradas são alguns dos desafios dos gestores
A troca de comando político marcou o primeiro dia do ano nos municípios do Entorno. Ontem, as 22 cidades da região promoveram a posse dos seus novos prefeitos e vereadores, eleitos em outubro passado. O Correio acompanhou as cerimônias realizadas em Águas Lindas de Goiás, Santo Antônio do Descoberto e em Valparaíso, três cidades carentes, e registrou as queixas listadas como prioritárias pela população. Saúde, segurança pública e educação estão entre as mais lembradas. A baixa capacidade dessas localidades em gerar emprego e renda provoca um inevitável quadro de pobreza e de dependência pelos equipamentos públicos de Brasília, especialmente hospitais e escolas.
O serviço de saúde de Águas Lindas de Goiás, cidade a 40 km de Brasília, dá uma boa noção da dimensão do problema. O único hospital em funcionamento não faz partos há mais de três anos e pequenas cirurgias ou atendimentos a casos graves são levados ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), cidade mais próxima da região. O servidor público Luiz Oliveira, 35 anos, conta que também há a dependência da cidade por empregos, concentrados especialmente no Plano Piloto. "Após a construção de um shopping, há cinco anos, as oportunidades melhoraram, mas pararam por aí e, até hoje, não vi nada de concreto ser proposto", relata.
Em discurso de posse, realizada no pátio da prefeitura, o novo comandante do município, Hildo do Candango (PTB), se comprometeu em recuperar o hospital e concluir a construção de um segundo, em obras há mais de quatro anos. "Não prometo soluções instantâneas, mas em buscar a solução diariamente. Vamos contratar mais médicos, dar melhores condições para os nossos professores, instalar a Guarda Municipal. Especialmente, vamos reforçar nossas parcerias com os governos federal e estadual para tirar a cidade da situação que se encontra", disse. Águas Lindas foi emancipada como município em 1997 e concentra uma população superior a 200 mil habitantes.
Em Santo Antônio do Descoberto, cidade distante 37km de Brasília, a cerimônia de posse do novo prefeito, Itamar Imóveis (PDT), também foi realizada pela manhã, no ginásio de esportes. Com as ruas esburacadas e problemas graves de saneamento básico e infraestrutura, a cidade é um conjunto de grandes desafios a serem administrados. "A primeira coisa que faremos é em relação à saúde, operação tapa-buracos, iluminação pública e segurança. Vamos iniciar as obras amanhã (hoje)", garante Itamar. Para agravar o quadro, parte dos servidores e funcionários comissionados da prefeitura está sem receber seus salários. Segundo a equipe de transição de governo, a dívida do município é de mais de R$ 51 milhões, R$ 18 milhões dos quais apenas em pendências previdenciárias.
O novo prefeito sabe que terá grandes desafios pela frente. Com um orçamento pequeno, constituído principalmente pelos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), de R$ 600 mil mensais, e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), de R$ 2 milhões por mês, Itamar pode enfrentar o descontentamento (leia Memória) da população com relação à falta de infraestrutura na cidade e de um transporte público mais eficiente. O gerente financeiro Davi Cardoso Mangabeira, 30 anos, nasceu lá e considera o atual momento um "caos". "A cidade está totalmente jogada, sem administração. Precisamos de saúde, educação, infraestrutura e emprego. Estamos necessitados de tudo hoje em dia", afirma.
Falta de acesso
Em Valparaíso de Goiás, a prefeita professora Lucimar (PT) reclama não ter tido conhecimento sobre as contas da cidade. "Não houve uma transição, por isso prevemos um início difícil. Os poucos documentos a que tivemos acesso não refletem a real situação do município. Há um ano, por exemplo, tínhamos uma dívida de R$ 20 milhões, mas não sei em quanto está hoje", cita. A cerimônia foi realizada às 14h, no ginásio de esportes do município.
A saúde é a área mais preocupante, na opinião da comerciante Maria Lúcia Parreira, 52 anos, moradora da cidade há 36. "O atendimento está muito ruim no hospital. Esperamos que os médicos demitidos no mês passado sejam convocados novamente porque, do jeito que está, não dá para continuar", opina. No fim de outubro, a ex-prefeita Lêda Borges (PSDB) dispensou pediatras, ortopedistas, clínicos-gerais, enfermeiros e técnicos sob o pretexto de reduzir a folha salarial do município, orçada em R$ 1 milhão mensais. O hospital municipal, que contava com 160 trabalhadores, teria hoje apenas 96.
Memória
Revolta em 2012
A precariedade dos serviços púbicos prestados em Santo Antônio do Descoberto levou os moradores da cidade a promover uma revolta pública, ocorrida em 24 de janeiro do ano passado. O protesto envolveu cerca de 2,5 mil pessoas e parou o município goiano. A manifestação provocou a atuação da tropa de choque da Polícia Militar, que tentou dispersar o grupo com o uso da força. Os manifestantes reagiram atirando paus e pedras. O saldo do confronto foi de oito ônibus apedrejados e um incendiado, quatro pessoas detidas e quatro policiais feridos. O embate em praça pública teve reflexos na rotina dos moradores: o comércio fechou as portas, o transporte público parou e o principal acesso ao município ficou bloqueado.
A indignação da população também tinha outro alvo: o ex-prefeito David Leite, acusado de omissão. O político responde a três acusações por improbidade administrativa em ações movidas pelo Ministério Público de Goiás, sendo que duas pediam o afastamento dele do cargo. Em um dos processos, os promotores goianos apontaram David Leite como o responsável pelo suposto desvio de quase R$ 2 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.