Correio braziliense, n. 20834 , 07/06/2020. Política, p.4

 

País atento aos julgamentos

Jorge Vasconcellos

07/06/2020

 

 

JUDICIÁRIO » Tribunal Superior Eleitoral aprecia, na terça-feira, ações que pedem a cassação da chapa presidencial por abuso de poder. No dia seguinte, Supremo Tribunal Federal decide sobre prosseguimento do inquérito que apura fake news e ameaças a membros da Corte

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem pela frente uma semana com dois julgamentos importantes para o futuro político no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambos têm como pano de fundo suspeitas de que o chefe do Executivo seja beneficiado por um grupo de apoiadores dedicado a cometer crimes na internet. Na terça-feira, o TSE julga duas ações que pedem a cassação, por abuso de poder, da chapa formada por Bolsonaro e o vice-presidente, Hamilton Mourão, nas eleições de 2018. No dia seguinte, o STF decide se dá prosseguimento ao inquérito que apura a disseminação de notícias falsas e ataques a membros da Corte. Os julgamentos também são de grande interesse para parlamentares da CPI Mista das Fake News do Congresso, que apontam para o possível envolvimento de filhos e assessores do presidente com a rede criminosa.

A tendência do STF, conforme ministros ouvidos reservadamente pela reportagem, é de decidir pelo prosseguimento do inquérito. Estará em julgamento uma ação do partido Rede Sustentabilidade, protocolada em março do ano passado, dias após a abertura da investigação. A legenda considera ilegal o fato de o procedimento ter sido instaurado de ofício pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, ou seja, sem a provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Também é questionada a indicação do ministro Alexandre de Moraes para ser o relator, sem que tenha havido sorteio entre os magistrados, como acontece normalmente.

O inquérito foi aberto com base no artigo 43 do regimento interno do STF, que permite que o tribunal instaure um procedimento do tipo quando houver “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”. Recentemente, o partido Rede Sustentabilidade pediu ao ministro Edson Fachin para desistir da ação, mas o magistrado rejeitou a solicitação a partir do entendimento de que a matéria é altamente relevante, além do fato de que, nesse tipo de caso, não pode haver desistência.

Na semana passada, o procurador-geral da República, Augusto Aras, em manifestação ao STF, defendeu a continuidade do inquérito, mas cobrou a participação do Ministério Público em todas as etapas.

Além de julgarem o mérito quanto à legalidade do procedimento investigativo, os ministros do Supremo, na sessão de quarta-feira, devem aproveitar a oportunidade para enviar recados duros à cúpula do governo. No fim de maio, o presidente da República proferiu ataques ao ministro Alexandre de Moraes depois que a Polícia Federal executou, no âmbito do inquérito, uma operação para cumprir 29 mandados de busca e apreensão contra empresários, blogueiros e parlamentares bolsonaristas.

Na ordem que originou a operação, o ministro do Supremo cita relatos de parlamentares sobre a suposta existência de um “gabinete do ódio”, uma “organização criminosa” que seria formada por assessores do Palácio do Planalto, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e encarregado da disseminação de fake news e ataques contra a honra de adversários do governo.

Bolsonaro também participou de uma série de manifestações que pediam intervenção militar, com o fechamento do STF e do Congresso. Na semana passada, porém, o presidente ensaiou uma trégua, costurada pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, em uma tentativa de aproximação com Moraes. O chefe do Executivo chegou a participar, virtualmente, da posse do ministro como membro do TSE.

Ministério Público

O vice-presidente da CPI Mista das Fake News, deputado Ricardo Barros (PP-PR), é favorável ao prosseguimento do inquérito, mas defende que seja garantida a participação do Ministério Público. “O ministro Alexandre de Moraes não pode pegar os policiais federais que estão à disposição dele e sair fazendo operação. Está havendo uma exacerbação de parte à parte e que precisa ser contida. Os depoimentos dos deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP), para o ministro Alexandre de Moraes e também para a CPMI das Fake News, criaram uma avenida de possibilidades de investigação. Isso está sendo encaminhado. Eu acho que as duas investigações — a CPMI e o inquérito do STF — chegarão a pontos comuns”, disse Barros, que também atuou como relator da Lei de Abuso de Autoridade na Câmara.

“Vazou a informação de que o IP de uma das máquinas que criaram o perfil ‘Bolsofeios’ estava no gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PLS-SP). Então, provavelmente, alguns dos assessores do Palácio do Planalto ou do gabinete utilizaram, eventualmente, da ferramenta oficial para produzir e enviar mensagens que podem ser consideradas fake news. Mas dizer que há um ‘gabinete do ódio’ é um pouco de marketing”, observou o parlamentar.

“Eu não acho que o presidente tenha um grupo de pessoas nomeadas para essa finalidade. Não acredito nisso. Acho que pessoas nomeadas, eventualmente, tomaram atitudes que não deviam ter tomado, disseminando, nos seus IPs oficiais, a publicação de matérias que depois foram consideradas fake news”, afirmou o vice-presidente da CPI.

Também integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito, a deputada Natália Bonavides (PT-RN) afirmou que a atenção crescente do Poder Judiciário em relação aos crimes virtuais pode ser atribuída ao possível envolvimento de familiares e de aliados do presidente Bolsonaro. “A gente sabe que existe um significado no fato de esse tema passar a andar. Acho que esse significado está na ligação profunda que a família Bolsonaro tem com essa organização criminosa. Eu observava na CPMI que os próprios filhos do presidente, o Eduardo e o Carlos, segundo os depoimentos que a gente colheu, fazem parte dessa organização criminosa, desse núcleo político, que dá o comando, que escolhe os alvos”, disse.

“É por isso que todas essas movimentações estão angustiando tanto o presidente. Porque, em todos os lugares que a gente vê, aponta-se para essa ligação. Na CPMI, por exemplo, a gente chegou à  existência do ‘gabinete do ódio’, de pessoas que são nomeadas na Presidência para atuar nessa organização. Chegamos a um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro, que, de dentro da Câmara, fazia gestão de uma dessas páginas de fake news”, ressaltou Natália Bonavides.

Segundo ela, o grupo, agora investigado por crimes cibernéticos, é o mesmo que atuou na campanha de Bolsonaro em 2018. “Não é à toa que, no âmbito do próprio inquérito do STF, o ministro Alexandre de Moraes, recentemente, estabeleceu diligências que vão ao período de 2018. Isso indica que, na investigação do STF, também se está chegando à conclusão de que os mesmos grupos que atuam hoje estavam operando em 2018. Uma vez vencidas as eleições, eles colocaram os tentáculos dessa organização criminosa no próprio poder público, com gente paga com dinheiro público”, acrescentou a deputada.

Frases

"Provavelmente, alguns dos assessores do Palácio do Planalto ou do gabinete utilizaram a ferramenta oficial para produzir e enviar mensagens que podem ser consideradas fake news”

Ricardo Barros, deputado vice-presidente da CPI Mista das Fake News (PP-PR)

"Na investigação do STF, também se está chegando à conclusão de que os mesmos grupos que atuam hoje estavam operando em 2018. Uma vez vencida as eleições, eles colocaram os tentáculos dessa organização criminosa no próprio poder público”

Natália Bonavides, deputada federal (PT-RN)

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Irregularidades em campanha sob análise

07/06/2020

 

 

Na próxima terça-feira, o TSE retoma o julgamento de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) que apuram supostos ataques cibernéticos em grupo de Facebook para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Os autores são os ex-candidatos Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSol) e as respectivas coligações eleitorais. Eles apontam abuso eleitoral e pedem a cassação dos registros de candidatura, dos diplomas ou dos mandatos dos representados, além da declaração de inelegibilidade.

Os autores alegam que, durante a campanha, em setembro de 2018, o grupo virtual “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, sofreu ataque de hackers que alteraram o conteúdo da página. As interferências atingiram o visual e até mesmo o nome da página, modificado para “Mulheres com Bolsonaro #17”, que também passou a compartilhar mensagens de apoio à chapa eleitoral e conteúdos ofensivos, além de excluir participantes que o criticavam.

A acusação sustenta ainda que Bolsonaro publicou em perfil oficial no Twitter a mensagem “Obrigado pela consideração, mulheres de todo o Brasil!”, acompanhada de foto da página modificada do grupo, o que sinalizaria forte elemento da provável participação do então candidato no episódio ou, no mínimo, de conivência.

O julgamento das duas ações teve início em novembro de 2019, com o voto do relator e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes, que se manifestou pela improcedência das Aijes. A análise do caso foi interrompida por um pedido de vista apresentado pelo ministro Edson Fachin. Agora, o julgamento será retomado.

No parecer, o relator pontuou que, mesmo que tenha sido comprovada a invasão da página por provas dos autos e por informações prestadas pelo Facebook, as investigações não foram conclusivas quanto à autoria. Ele acrescentou que a invasão ao perfil em rede social, perpetrada por menos de 24 horas, não teve gravidade capaz de causar ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito que possa repercutir em outras áreas do Direito, como a civil e a penal.

Para Og Fernandes, a rigorosa sanção de cassação do registro ou do diploma tem amparo em situações excepcionais e somente deve ser aplicada quando houver provas robustas, fortes e contundentes de autoria e participação.

Outras seis Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) sobre a chapa presidencial eleita em 2018 estão em andamento no TSE. Quatro delas apuram irregularidades na contratação do serviço de disparos em massa de mensagens pelo aplicativo WhatsApp durante a campanha eleitoral.

Em 29 de maio, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes, que relata todos esses processos, deu prazo de três dias para que os envolvidos se manifestem sobre o pedido da coligação. O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/Pros) pede para que sejam juntados dados do inquérito que apura fake news e ofensas a ministros do STF.

Na sexta-feira, em manifestação ao tribunal, a defesa de Bolsonaro solicitou que o pedido da coligação oposicionista não seja atendido. A advogada Karina Kufa, que assiste o presidente, argumentou que não há relação com o objeto original da ação de investigação judicial eleitoral.

Também aguarda julgamento no TSE uma ação que trata da colocação de outdoors em, pelo menos, 33 municípios de 13 estados. Há ainda um processo julgado improcedente em fase de embargos de declaração que apura uso indevido de meios de comunicação.