Correio braziliense, n. 20834 , 07/06/2020. Cidades, p.17

 

Ceilândia em isolamento

Caroline Cintra

Marina Barbosa

07/06/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Na tentativa de reduzir o avanço do contágio na cidade, além de na Estrutural e no Sol Nascente, o governador Ibaneis Rocha (MDB) edita decreto que restringe comércio e outras atividades: decisão é semelhante à tomada em março, no início da pandemia

No dia em que o Distrito Federal bateu o recorde de novos casos de coronavírus, o GDF decidiu suspender, por 72 horas, a abertura dos comércios considerados não essenciais em Ceilândia, Sol Nascente e Estrutural. A medida começa valer a partir da segunda-feira. O decreto nº 40.872, assinado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), foi publicado na noite de ontem, em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF), e determina o fechamento de shoppings centers, feiras populares e estabelecimentos comerciais de qualquer natureza, o funcionamento de parques e a prática de cultos ou missas de qualquer credo ou religião nas três regiões.

Em 24 horas, a Secretaria de Saúde contabilizou 1.642 novos casos da doença. Seis pessoas morreram vítimas da covid-19. Com isso, o Distrito Federal acumula 15.850 infectados e 192 óbitos decorrentes da pandemia. De acordo com o boletim mais recente da pasta, divulgado às 18h de ontem, mais cinco homens e uma mulher morreram por complicações decorrentes do coronavírus. Os óbitos foram registrados nas regiões de Ceilândia, Recanto das Emas, Águas Claras, Planaltina, Gama e Sobradinho.

Ceilândia, por sinal, é a região que mais concentra casos de covid-19 no DF, com 1.780 contaminados. Além da cidade, o Plano Piloto (1.319) e Taguatinga (1.093) ultrapassam a marca de mil casos da doença. A maior parte dos infectados é paciente que ainda está em tratamento. São 7.977 pacientes em ativo, sendo 5.972 em análise, 1.796 com um quadro leve da doença, 237 com sintomas moderados e 72 em estado grave. Os demais casos referem-se aos pacientes que se recuperaram do coronavírus — que já são 7.665 pessoas — e às mortes. Nessa conta, o DF considera 208 óbitos: 192 registrados no DF e mais seis identificados no entorno. Pôr do Sol registrou 70 ocorrências e a Estrutural, 317 casos e quatro óbitos.

O novo decreto retoma a medida adotada pelo governo no início da pandemia da covid-19, instituída em março. Nos shoppings centers, ficam autorizados , apenas, o funcionamento de laboratórios, clínicas de saúde, farmácias e serviço de delivery. Outras atividades consideradas essenciais continuam funcionando normalmente (veja O que pode funcionar) e devem continuar cumprindo todos os protocolos e as medidas de segurança sanitária estabelecidos desde o início da pandemia, como a garantia de distância mínima de dois metros entre as pessoas, utilização de equipamentos de proteção individual e máscaras tanto por clientes quanto por funcionários, além da disponibilização de álcool em gel 70%.

A supervisão do cumprimento do decreto nas três regiões ficará a cargo da Secretaria DF Legal. Por meio de nota, a pasta informou que, desde 27 de maio, tem promovido,  em ação conjunta com outros órgãos de fiscalização, de segurança e forças policiais, a fiscais têm visitado shoppings centers, centros comerciais, feiras e outros estabelecimentos a fim de verificar o cumprimento das medidas de proteção. Ao todo, 300 servidores de 10 órgãos do GDF fiscalizam diariamente todo o DF. Os estabelecimentos que descumprirem as normas previstas no decreto citado e no de hoje podem ser multados, fechados compulsoriamente ou interditados.

Sem grandes impactos

“Nem 15% do comércio dessas cidades vão ser afetados de fato”, acredita o presidente da Associação Comercial de Ceilândia (Acic), Clemilton Saraiva dos Santos. Na opinião do dirigente regional da categoria, boa parte dos empreendimentos destacados no decreto ou já estava fechado, ou é algo que a comunidade ainda luta para trazer à região. “Estamos falando de academias, salões de beleza, barbearias, restaurantes e feiras, por exemplo, que vinham com o funcionamento reduzidíssimo. Elencam-se, também, teatros, boates e outras estruturas inexistentes na região”, explica. “Não chamaria isso de lockdown. Vejo mais como uma restrição parcial preventiva.”

Segundo dados da Acic, Ceilândia tem cerca de 12 mil empresas de pequeno, médio e grande porte, além de, aproximadamente, 1,1 mil indústrias de tamanhos diversos. Ainda com base na associação, mais de 50% da população economicamente ativa e um percentual significativo de estudantes exercem suas atividades fora da região, principalmente no Plano Piloto. “Medidas restritivas mais enérgicas precisam ser adotadas no centro da capital. Não são as pessoas daqui que levam o vírus. Elas trazem desses lugares”, opina.

Apesar de apostar em impactos reduzidos em comparação ao já vivido pela cidade, o presidente da associação enfatiza que o governo local deveria ter ouvido o setor produtivo local, o que ele destaca não ter ocorrido em nenhum momento. Ele lembra o fato de, ontem, o governador Ibaneis Rocha ter descartado a possibilidade de promover medidas restritivas duras no comércio.

De acordo com o especialista Armando Luiz Rovai, professor de ireito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, quando se fala em lockdown, o contexto é de um bloqueio total. Porém, ele enfatiza que um decreto, mesmo em época de pandemia, não afeta o direito constitucional de ir e vir. Segundo ele, mais eficiente seria a uniformidade do discurso dos gestores públicos em todos os níveis de governo, conduzindo para um isolamento social capaz de evitar o bloqueio total.

Rovai faz um alerta. O jurista lembra que a falta de isolamento social provocou uma tragédia, por exemplo, na economicamente favorecida região da Lombardia, na Itália, entre abril e maio. “Infelizmente, quando se propagar em locais mais pobres e menos favorecidos, vai ser uma tragédia maior ainda, sem precedentes”, conta.

Ficam suspensos nas três cidades

Eventos, de qualquer natureza, que exijam licença do Poder Público

Atividades coletivas de cinema e teatro

Academias de esporte de todas as modalidades

Museus

Parques ecológicos, recreativos, urbanos, vivenciais e afins

Boates e casas noturnas

Atendimento ao público em shoppings centers, feiras populares e clubes recreativos. Nos shoppings centers fica autorizado apenas o funcionamento de laboratórios, clínicas de saúde, farmácias e delivery

Cultos e missas de qualquer credo ou religião

Estabelecimentos comerciais, de qualquer natureza, inclusive bares, restaurantes, lojas de conveniências e afins

Salões de beleza e centros estéticos

O que pode funcionar

Clínicas e consultórios médicos e odontológicos, laboratórios e farmácias

Clínicas veterinárias (para atendimentos de urgência)

Mercados

Mercearias

Açougues

Peixarias e padarias, sendo vedada a venda de refeições e produtos para consumo no local

Lojas de materiais de construção

Petshops

Lotéricas

Lavanderias e floriculturas, exclusivamente no sistema de entrega em domicílio

Atendimento ao público em todas as agências bancárias e cooperativas de crédito, tanto públicos quanto privadas

As operações de entrega em domicílio, pronta-entrega em veículos e retirada do produto no local, sem abertura do estabelecimento para atendimento ao público em suas dependências, também estão permitidas para restaurantes e lanchonetes