Correio braziliense, n. 20837 , 10/06/2020. Correio Talks, p.8

 

Custo para União não é Justificativa

10/06/2020

 

 

Cerca de 88% do valor envolvido já foi pago e os 12% restantes representam R$ 8 bilhões 

O argumento da Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar alterar a fórmula de cálculo das indenizações devidas às usinas de açúcar e álcool, de que o custo da intervenção do Estado no setor seria de R$ 70 bilhões para os cofres públicos, é refutado pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega. Segundo ele, como 72% das empresas já foram beneficiadas pelas decisões, representando 88% do valor envolvido, restam 12% do total, equivalente a R$ 8 bilhões. No entanto, mesmo que fossem R$ 70 bilhões, Nó- brega diz que isso não é justificativa a ser levada em conta pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

E explica: “O país deve R$ 350 bilhões de juros da dívida, segundo o Banco Central. Pela mesma razão que não pode pagar R$ 70 bilhões, não poderia pagar os R$ 350 bilhões. No entanto, isso emitiria um desastre, porque a comunidade investiu no papel público. O brasileiro que investiu e compra no tesouro direto, não receberia os juros.

Mais um motivo para que o STF preserve a jurisprudência. Não há razões objetivas para rever a decisão neste momento complexo da economia e do setor sucroenergético.” O ex-ministro, que era titular da Fazenda em parte do período em que houve tabelamento de preços, afirma que o governo errou muito naquela época. “No auge da inflação desembestada, havia 180 pessoas cuidando do controle de preços. Claro que houve erro. Se decidia o processo em um dia, era uma coisa. Se levava 30 dias, o preço já saía errado, corroído pela inflação do mês”, recorda. No caso do açúcar e do álcool, o governo contratou um organismo idôneo para calcular os preços e se comprometeu a observar isso, conta Nóbrega. “Mas houve clara ilegalidade.

A União é obrigada a indenizar as empresas todas as vezes em que a intervenção representar dano calculado provado por aquele que reclama”, sustenta.

Embora o efeito daquela intervenção tenha motivado disputas judiciais, o ex-ministro defende que a atuação estatal não é de todo condenável. “No caso da pandemia, por exemplo, o Estado precisa atuar como regulador”, diz. Segundo ele, em todo o mundo, os governos criaram linhas de financiamento para permitir que as empresas se mantivessem saudáveis durante a pandemia, porque, depois, a economia vai precisar delas na hora de retomada.

Para o economista, o que é condenável é a intervenção gerar insegurança jurídica. “Na ascensão da Inglaterra, a segurança foi fundamental para a prosperidade. Antes das liberdades individuais, as pessoas enterravam as suas fortunas debaixo da terra porque tinham medo do arbítrio do Estado e do confisco.

Alguém que enterrava o dinheiro e morria sem dizer onde estava, ficava penando. O máximo da sorte era saber onde estava essa botija”, brinca, para alertar que o julgamento do STF vai gerar insegurança. “Sem uma causa fundamental”, completa.

A mudança na forma de indenizar as empresas, alterando do custo econômico para o prejuízo contábil, é considerada um absurdo pelo ex-ministro. “Os valores foram fixados abaixo até mesmo do custo de produção. Em 1989, as refinarias começaram a ganhar ações. E a forma de indenizar as usinas levava em conta o conceito econômico, usado tanto pelo governo quanto pela FGV para calcular os preços. Quando ministro da Fazenda, fui aconselhado, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a fazer um acordo formal”, conta Nóbrega.

De acordo com o ex-ministro, o custo econômico inclui a oportunidade perdida de aplicar o dinheiro em um ativo de maior rentabilidade. “O absurdo dessa decisão vai mais longe. No fundo, vai premiar a empresa ineficiente. Ganharia a indenização aquela que dá prejuízo, que foi mal gerida”, assinala.

Mau exemplo

Ele destaca que a União é acionista de empresas e tais companhias adotam, para comercializar os seus produtos, o conceito do custo econômico e não o contábil. “Se houver mudança, o próprio Estado estará dando mau exemplo no cálculo de uma indenização. O ministro do STF Dias Toffoli já deixou claro que isso seria a premiação da ineficiência.” Maílson da Nóbrega defende que o governo utilize a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para dar um fôlego ao setor sucroenergético. “É necessário preservar empresas, capacidade produtiva, emprego e renda.

Não encontro razão para o governo ter decidido não subir a Cide sobre a gasolina para permitir a paridade de um setor estratégico para o país, como o sucroenergético. A Cide é para isso, e foi usada várias vezes. Sempre que a paridade é gravosa, o governo intervém para preservar um setor importante”, assinala. “O governo está errando de novo”, critica.