Correio braziliense, n. 20837 , 10/06/2020. Correio Talks, p.9

 

A jurisprudência será valorizada

Grace Mendonça

10/06/2020

 

 

Ex-ministra Grace Mendonça diz que o STF busca entregar confiança e previsibilidade nas suas decisões  

Além de alertar que qual- quer alteração na fórmula de cálculo das indenizações devidas pelo Estado pode representar custos ainda maiores para os cofres públicos, Grace Mendonça, ex-ministra da Advocacia Geral da União (AGU), diz acreditar que o Supremo Tribunal Federal (STF), Corte responsável pela decisão de julgar se cabe mudança, valorizará a jurisprudência consolidada há 15 anos. O primeiro precedente foi em 2005 e, desde então, todas as decisões têm se pautado por ele para dar ganho de causa às usinas, prejudicadas pelo tabelamento de preços de açúcar e álcool nas décadas de 1980 e 1990.

“Vivemos uma crise sanitária sem precedentes e, além de tudo isso, temos em discussão um julgamento do STF que toca a um período da nossa história em que o Estado promoveu intervenção no setor. Isso leva a uma questão central que é a segurança jurídica”, pontua Grace. Segundo ela, a Suprema Corte tem procurado valorizar o precedente. “A imprevisibilidade causa reflexo imediato na percepção dos investidores estrangeiros acerca de confiança em relação ao nosso país. Por isso, o STF tem buscado entregar confiança e mostrar segurança jurídica”, diz.

Grace destaca que o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, reafirma os precedentes que são exarados pela Corte. “Ele é categórico ao afirmar que,quando se está à frente de precedentes, a mensagem clara é de previsibilidade, de que as decisões futuras vão no mesmo sentido daquela”, sustenta. Conforme ela, o ministro acata a importância do precedente “para preservação da confiança do cidadão”. “Quando se tem o respeito ao precedente se respeita a ética da prática do Direito. E, neste caso do setor sucroenergético, há jurisprudência consolidada há 15 anos. O primeiro precedente foi em 2005”, reforça.

Ela ressalta que o ministro Luís Roberto Barroso foi muito preciso quando pontuou que a circunstância não pode ser considerada evidência de que não se tenha jurisprudência. “Essa jurisprudência é precisa, reconhece a intervenção e o descompasso entre o preço tabelado e o preço estabelecido pela FGV (Fundação Getulio Vargas), contratada pelo poder público para dar olhar técnico ao preço”, afirma.

A inserção da possibilidade de se ter indenização dos danos conectada diretamente ao prejuízo contábil não guarda nexo de causalidade com a ação do Estado, ressalta a ex-ministra. “Quando se considera prejuízo contábil há uma multiplicidade de fatores, que remete à atuação da empresa, de que forma o descompasso entre os preços foi absorvido por cada uma. Algumas absorveram bem, outras não. Ou porque adotaram gestão eficiente, ou porque utilizaram práticas não recomendadas do ponto de vista dos princípios éticos”, compara.

“Estamos falando de uma ação que é retomada após 15 anos de jurisprudência. O fato de um tema ser de elevada repercussão geral não significa ruptura do histórico interpretativo da Corte. Isso não implica engessamento interpretativo. É possível avançar e modificar o entendimento, desde que a situação seja distinta e a fundamentação, muito clara”, diz. Segundo a ex-ministra, mantidas as circunstâncias fáticas e normativas de regência da matéria, não haveria fundamento para mudança da jurisprudência. “O STF tem sido o primeiro a prestar reverência a sua jurisprudência, daí, imagino que vai respeitá-la, em especial, neste momento em que o país precisa alavancar a retomada e gerar empregos. Os números de postos de trabalho do setor são expressivos”, ressalta.

Judicialização

Grace Mendonça lembra que houve um avanço muito intenso da judicialização. “Isso tem a ver com múltiplos fatores, passa pela percepção da sociedade da Justiça, que passou a ver o Judiciário como uma instituição que pode ajudar no seu problema”, diz. Isso, entretanto, abarrotou o sistema e o tempo médio de um processo na União, segundo ela, é de nove anos. “É preciso apostar em outros instrumentos e ferramentas capazes de pacificação social, porque a engrenagem da Justiça é cara”, defende.

O custo do Judiciário, explica Grace, é de 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto) e há outros mecanismos eficientes, como a conciliação e a arbitragem. “Na AGU, tive oportunidade de viabilizar consenso em uma demanda de quase 30 anos”, conta, referindo-se aos processos sobre os planos econômicos. “Era uma questão altamente complexa e difusa, com muitos beneficiários idosos, que não poderiam esperar tanto tempo. Conseguimos um acordo, o maior já homologado pelo STF”, comemora. Para mudar o sistema, no entanto, essa pauta precisaria ser abraçada pelo Ministério Público, magistrados, advogados e defensores públicos, opina.