Correio braziliense, n. 20838 , 11/06/2020. Política, p.6

 

Dois governadores em apuros

Sarah Teófilo

11/06/2020

 

 

Assembleia Legislativa do Rio autoriza abertura de processo de impeachment contra Wilson Witzel por suposto envolvimento num esquema de desvios na Saúde. No Pará, PF cumpre mandado contra Helder Barbalho, por suspeita de fraude na compra de respiradores

Em meio à crise política do país, dois governadores vão ter de dar explicações sobre decisões que tomaram, sob a alegação de enfrentamento à pandemia de coronavírus. No Rio de Janeiro, a assembleia legislativa autorizou, ontem, a abertura de processo de impeachment contra Wilson Witzel (PSC), por suposto envolvimento em esquema de desvios na Saúde. No Pará, Helder Barbalho (MDB) foi alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de fraude na compra de respiradores.

Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a autorização para abertura de processo de impeachment contra Witzel foi por decisão unânime, com 69 votos dos 70 parlamentares. A ausência foi do deputado Rosenverg Reis (MDB). Agora, a autorização para a abertura do processo será publicada no Diário Oficial, dando um prazo de 48 horas para os partidos indicarem os representantes de uma comissão especial que vai analisar a denúncia.

O presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), ressaltou que a posição sobre a abertura do processo não significa um prejulgamento. Ontem, vários deputados defenderam o amplo direito de defesa de Witzel. Em nota, o governador do Rio disse que é inocente e que vai manter suas funções de governador.

No Pará, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão contra o governador Helder Barbalho e outras 14 pessoas, incluindo o secretário de Saúde do estado, Alberto Beltrame, que é presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o bloqueio de R$ 25 milhões de Barbalho e de outros sete investigados. Na casa do secretário adjunto de gestão administrativa de Saúde, Peter Cassol, a polícia encontrou quase R$ 750 mil em dinheiro, embalado em jornal e dentro de uma caixa térmica. O governo do estado informou que o servidor foi exonerado após a descoberta do montante.

A operação foi autorizada pelo ministro Francisco Falcão, do STJ, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Na petição, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo afirmou que as ilicitudes investigadas “passam claramente pelo crivo do governador Helder Barbalho”.

A polêmica envolvendo os ventiladores começou em maio, quando foi divulgado que os equipamentos importados da China não funcionavam. Os respiradores foram devolvidos, mas, conforme as investigações, o mesmo empresário teve outra contratação com o governo no valor de R$ 4,2 milhões.

As apurações apontam, também, para a suspeita de superfaturamento de 86,6% nas compras. (Com Agência Estado)

Saiba mais

Próximos passos

A autorização para a abertura do processo contra o governador Wilson Witzel será publicada no Diário Oficial, dando um prazo de 48 horas para os partidos indicarem os representantes de uma comissão especial que vai analisar a denúncia. Witzel terá direito, então, a se defender em até 10 sessões. Estabelecida a comissão, ela terá mais 48 horas para definir presidente e relator e, depois, cinco sessões para emitir o parecer que será levado a plenário — é necessária maioria absoluta (36 votos) para a denúncia ser recebida, e o governador, afastado. Caso ele seja afastado, é formado um “tribunal misto” composto por cinco integrantes da Alerj e cinco desembargadores, sob o comando do presidente do Tribunal de Justiça, que terá direito de voto no caso de empate. Os membros do Legislativo são escolhidos por eleição na Casa; os desembargadores, mediante sorteio.

Em maus lençóis

A suspeita

Os pedidos de impeachment contra Wilson Witzel surgiram após a Operação Placebo, da Polícia Federal, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele. A investigação mira a escolha da organização social Iabas para gerir os sete hospitais de campanha anunciados pelo governo fluminense. A entidade já recebeu R$ 256 milhões — o contrato prevê o pagamento total de R$ 836 milhões. De acordo com procuradores, o acordo foi assinado mesmo contendo fraudes. A primeira-dama do Rio, Helena Witzel, é citada como alguém “com vínculo bastante estreito e suspeito” com a empresa DPAD Serviços Diagnósticos Limitada, de Alessandro de Araújo Duarte, apontado como suposto operador de Mário Peixoto — empresário preso no último dia 14, em decorrência da operação. Outras duas investigações atingiram o Palácio Guanabara. Dois ex-subsecretários da Secretaria Estadual de Saúde, Gabriell Neves e Gustavo Borges, foram detidos por indícios de superfaturamento na compra de respiradores.

O que diz o governador

“Estou absolutamente tranquilo sobre a minha inocência. Fui eleito tendo como pilar o combate à corrupção e não abandonei, em nenhum momento, essa bandeira. E é isso que, humildemente, vou demonstrar para as senhoras deputadas e senhores deputados. Vou seguir nas minhas funções como governador e me preparar para a minha defesa. Tenho certeza de que os parlamentares julgarão os fatos como eles verdadeiramente são. São narrativas fantasiosas e investigações precipitadas.”

A suspeita

O governador Helder Barbalho e outras sete pessoas são suspeitas de fraude na compra de respiradores. A Polícia Federal investiga um contrato de R$ 50,4 milhões que se deu mediante dispensa de licitação justificada pelo período de calamidade pública do coronavírus. Segundo a corporação, metade do valor total da compra foi pago de forma antecipada, mas os respiradores foram entregues com grande atraso, eram diferentes do modelo comprado e não serviam para serem usados em pacientes com covid-19. Os equipamentos acabaram sendo devolvidos. Entre as quatro empresas que são alvo está a companhia SKN do Brasil Importação e Exportação de Eletroeletrônicos LTDA. No mês passado, foi fechado acordo para obrigar a empresa a devolver ao governo do Pará R$ 25,2 milhões referentes a 152 respiradores que chegaram da China para auxiliar no tratamento de pacientes com covid-19, mas não funcionaram. Segundo a Procuradoria-Geral da República, a empresa não tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O que diz o governador

“Em nome do respeito ao princípio federativo e do zelo pelo Erário público, o governo do estado reafirma seu compromisso de sempre apoiar a Polícia Federal no cumprimento de seu papel em sua esfera de ação. Informa, ainda, que o recurso pago na entrada da compra dos respiradores foi ressarcido aos cofres públicos por ação do governo do estado. Além disso, o governo entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais coletivos contra os vendedores dos equipamentos. O governador Helder Barbalho não é amigo do empresário e, obviamente, não sabia que os respiradores não funcionariam.”

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Dória crítica Zambelli e ironiza: "Mãe Dinah"

Maíra Nunes

11/06/2020

 

 

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), partiu para o ataque contra a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) por ter antecipado operações da Polícia Federal contra governos estaduais. O chefe do Executivo paulista chamou a parlamentar de “Mãe Dináh” — numa referência à vidente que morreu em 2014 — e de “engraxa-botas de Bolsonaro”.

“A deputada Carla Zambelli prefere cumprir o papel de ‘Mãe Dináh’ em vez do papel de parlamentar. Trata a Polícia Federal como polícia privada”, ironizou Doria, durante entrevista coletiva. “Não tem cargo nem mandato na Polícia Federal, muito menos para ser porta-voz da polícia ou antecipar atos em qualquer lugar. Se ela estiver exercendo ilegalmente essa função, estamos falando de uma polícia política.”

Doria também foi taxativo ao reprovar a relação de Zambelli com o presidente Jair Bolsonaro. “São Paulo não precisa de vitrola parlamentar ideológica nem de uma deputada que prefere engraxar as botas dos militares, principalmente do seu chefe, o presidente da República”, disse.

Numa entrevista à Rádio Gaúcha, em 25 de maio, Zambelli afirmou que a Polícia Federal faria operações contra governadores “nos próximos meses” por irregularidades cometidas no enfrentamento da covid-19. No dia seguinte, o gestor do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi alvo de ação da corporação por suspeita de desvios de dinheiro da Saúde. Ontem, foi a vez de Helder Barbalho (MDB) ser foco da PF, sob suspeita de irregularidades na compra de respiradores.

Diante do avanço das investigações nos estados, Doria afirmou que nada teme: “São Paulo tem todas as ações fiscalizadas pelos órgãos e que têm competência: Ouvidoria, Ministério Público, Tribunal de Contas de Tribunal de Justiça”.

Zambelli rebateu as críticas contra-atacando. “Eu não sou Mãe Dináh, mas prevejo, sim, que o seu destino na vida pública será enterrado, pois o povo já sabe quem é o senhor”, ressaltou a deputada, em nota. “Não estou a ‘engraxar as botas’ de ninguém, mas reitero meu respeito ao Exército Brasileiro e ao presidente da República, o qual tenho a honra de defender e orgulho em lutar ao seu lado para combater pessoas como o senhor.” Por fim, a parlamentar avisou que Doria deveria cuidar mesmo das compras do estado, “pois, tenha certeza, que tudo está sendo investigado”.

Além de Doria, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ironizou Zambelli. Para ele, a deputada recebeu, sim, informações antecipadas sobre operações da Polícia Federal contra governadores. “Se não houve vazamento, ela tem bola de cristal. Uma coisa ou outra”, ironizou, em entrevista à Rádio Gaúcha.

Frases

“A deputada Carla Zambelli prefere cumprir o papel de ‘Mãe Dináh’ em vez do papel de parlamentar”

João Doria, governador de São Paulo

“Eu não sou Mãe Dináh, mas prevejo, sim, que o seu destino na vida pública será enterrado”

Carla Zambelli, deputada federal