O Estado de São Paulo, n.46217, 01/05/2020. Notas e Informações, p.A3

 

E a covid-19 mal chegara

01/05/2020

 

 

A existência, no primeiro trimestre do ano, de 27,6 milhões de pessoas desocupadas, subutilizadas ou desalentadas por falta de oportunidade de ocupação remunerada é, por si só, um retrato dramático do mercado de trabalho no Brasil. Mas ainda não reflete o real impacto da pandemia do novo coronavírus sobre a economia do País e sobre a vida dos brasileiros, a começar pelas condições do trabalho que garante a renda necessária para a sobrevivência de cada um e a de seus familiares. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua referentes aos primeiros três meses do ano que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar abrangem apenas o período inicial (as últimas semanas de março) da crise sanitária que vem afetando a vida de todos. Por isso, os números referentes aos meses seguintes, quando o isolamento social se estendeu e a atividade econômica se retraiu acentuadamente, deverão ser ainda mais impressionantes.

“O Brasil já estava com taxa de desemprego elevada, e presume-se que (a taxa anterior à pandemia) possa aumentar entre 50% e 100%”, previu há pouco o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar. Pode não ser dessas dimensões, mas aumento certamente haverá, e será notável.

No primeiro trimestre, o Brasil tinha 12,850 milhões de pessoas em busca de emprego, segundo a Pnad Contínua. A taxa de desocupação no período foi de 12,2%, menor do que a de um ano antes (12,7%), mas 1,2 ponto maior do que a do trimestre encerrado em dezembro. Da população ocupada (de 92,2 milhões de pessoas), praticamente 40%, ou 36,8 milhões, trabalhavam na informalidade, isto é, sem registro em carteira e, consequentemente, sem os benefícios do trabalho formal e sem a proteção do sistema previdenciário.

Praticamente um quarto da força de trabalho, ou 24,4% (27,6 milhões de pessoas), estava subutilizada nos três primeiros meses do ano. Essa categoria inclui as pessoas que não trabalhavam ou trabalhavam menos do que podiam ou pretendiam. A taxa inclui os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e a força de trabalho potencial (pessoas que não estão em busca de trabalho, mas estão disponíveis para trabalhar). Houve discreta melhora nesse indicador, quando comparado com o do início de 2019 (25% de subutilização da força de trabalho).

No período, segundo a Pnad Contínua, havia 4,770 milhões de pessoas desalentadas, isto é, que estavam fora da força de trabalho porque não conseguiam emprego, não tinham experiência, eram muito jovens ou idosas ou não acharam trabalho na localidade, mas que aceitariam assumir a vaga caso encontrassem trabalho. Nas estatísticas do IBGE, os desalentados fazem parte da força de trabalho potencial.

Os dados relativos a rendimento são mais animadores. A massa de salários em circulação na economia cresceu R$ 3,211 bilhões em um ano e o rendimento médio dos trabalhadores ocupados alcançou R$ 2.398, 1,1% mais do que o de um ano antes.

Os dados do primeiro trimestre do ano, que sazonalmente tendem a ser piores do que os do trimestre anterior por causa das demissões dos trabalhadores temporários contratados no fim do ano, mostram que algumas atividades já estavam sendo afetadas pela pandemia e pelo isolamento social. São aquelas que absorvem mais o trabalho informal, como os segmentos de comércio, alojamento e alimentação e serviços como os pessoais (cabeleireiro e manicure) e domésticos. Nos primeiros três meses do ano, havia praticamente 2 milhões de trabalhadores informais menos do que no trimestre anterior.

Embora já enfrentasse problemas para a coleta de dados em março, o IBGE assegura que a Pnad Contínua do primeiro trimestre tem informações de qualidade. Por causa das dificuldades para a coleta de novos dados – por telefone, o que não é usual nem confiável como a coleta local – e da necessidade de testes de sua consistência, os resultados de abril podem demorar.