Título: Um país em dúvida
Autor: Pereira, Vinícios
Fonte: Correio Braziliense, 14/12/2012, Mundo, p. 16

Após anunciar o sucesso da cirurgia contra o câncer, governo revela complicações e sinaliza que presidente Hugo Chávez pode não reassumir o poder. Para analistas, transição política está em andamento.

Dois dias depois de o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, 58 anos, se submeter — pela quarta vez — a uma delicada cirurgia contra o câncer, aumentaram ontem as dúvidas sobre seu retorno ao poder. Apenas algumas horas após o anúncio sobre a possibilidade de o mandatário não reassumir seu posto, o ministro da Comunicação, Ernesto Villegas, voltou a informar, ontem, sobre o estado de saúde de Chávez e confirmou complicações na operação: os médicos foram surpreendidos por um sangramento, mas teriam estancado a hemorragia. “Atualmente, o paciente está em recuperação progressiva e favorável dos valores normais de seus sinais vitais”, completou Villegas. Na noite de quarta-feira, o ministro havia alertado a população sobre a complexidade do procedimento. No mesmo dia, o vice-presidente, Nicolás Maduro, garantiu que a cirurgia tinha sido bem-sucedida.

Em menos de 24 horas, o discurso do governo venezuelano mudou. “Acreditamos que, com o amor de milhões, o Comandante se recuperará logo e assumirá o comando antes de 10 de janeiro. Se não for assim, nosso povo deve estar preparado para entender”, escreveu Villegas em um comunicado oficial. As incertezas sobre a saúde de Chávez tomaram proporções ante as declarações do médico José Rafael Marquina. Por meio do microblog Twitter, o venezuelano radicado em Miami afirmou que Chávez permaneceria entubado e sob respiração mecânica por 72 horas. No fim da noite, o governo divulgou que o estado de saúde do presidente havia passado de “estável” para “favorável”.

Para analistas, as mensagens recentes parecem destinadas a preparar o povo venezuelano para o eventual afastamento do líder bolivariano do poder. Caso Chávez não possa assumir o cargo, a Venezuela realizará novas eleições dentro de 30 dias. A situação poderá confrontar Maduro, candidato designado como sucessor pelo próprio presidente, e Henrique Capriles, que, apesar de ter sido derrotado pelo presidente nas eleições de outubro, saiu fortalecido com o melhor resultado da oposição dos últimos 14 anos.

De acordo com Paulo Sotero, diretor de Estudos sobre a América Latina do Centro Internacional Woodrow Wilson (em Washington), a conjuntura atual representa um importante processo de transição do governo de uma figura histórica e com forte apelo popular e uma boa oportunidade para a oposição. “O significado das atitudes governistas está em reconhecer a realidade e em aceitar a doença. Não importa agora se foi um governo positivo ou não, mas vejo nas declarações uma forma de preparação para o que parece inevitável no momento”, afirma ao Correio.

Por sua vez, Pedro Cuenca — professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) — ressalva que a oposição precisa se qualificar e tem uma importante missão em saber como lidar com as críticas ao governo, entendendo a força simbólica do líder e a forte comoção popular. “Nessa fase de incertezas, surgem perguntas sobre o futuro do chavismo e da política venezuelana. Mas é preciso refletir: a oposição está pronta para governar? O programa de Chávez não era apenas emoção, mas também programas e inserção social.

Vigílias

O dia de ontem foi marcado por preces e desejos de breve recuperação do presidente da Venezuela. Às 20h30 (hora de Brasília), órgãos de segurança pública celebraram uma missa na região de La Carlota, em intenção da saúde de Chávez. Citado pelo jornal venezuelano El Nacional, Jorge Galindo, diretor de imprensa do Ministério do Interior e Justiça, convocou mais de 3 mil funcionários para participarem da cerimônia. A empregada doméstica Francisca Escalona, 45 anos, simpatizante do presidente, afirmou à agência de notícias Reuters que torce pela recuperação de Chávez. “Ele deve estar bem mal. Penso que, às vezes, não podem dizer toda a verdade. Estou esperando e pedindo a Deus que não o leve”, afirmou.

Acreditamos que, com o amor de milhões, o Comandante se recuperará logo e assumirá o comando antes de 10 de janeiro. Se não for assim, nosso povo deve estar preparado para entender”

Ernesto Villegas, ministro da Comunicação da Venezuela

Líderes pretendem viajar a Havana

Os presidentes do Uruguai, José Mujica; e do Peru, Ollanta Humala, planejam visitar Hugo Chávez em Havana. O líder uruguaio afirmou que deseja expressar pessoalmente o seu apoio ao colega venezuelano. “Na vida, temos que ser agradecidos”, afirmou Mujica ao jornal semanário Búsqueda. “Chávez não ajudou nem a mim nem à Frente Ampla, mas ao país. Tenho e temos a obrigação de não esquecermos disso”, acrescentou. Na última terça-feira, ele escreveu uma carta ao amigo, na qual demonstra o desejo de que ele volte o quanto antes ao poder “com sua força, humor e companheirismo”. Por sua vez, Humala admitiu que, “se for necessário”, viajará a Cuba. “Força, presidente Chávez. Estamos orando por sua saúde, o povo peruano se solidariza e lhe dá força, para que tenha disposição e coragem”, declarou.