O Estado de São Paulo, n.46214, 28/04/2020. Política, p.A6

 

STF vai apurar declarações de Moro

Rafael Moares Moura

28/04/2020

 

 

Governo em risco.  Inquérito aberto pelo ministro Celso de Mello investiga acusações de ex-ministro de que houve interferência política de Bolsonaro na PF

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, decidiu na noite de ontem autorizar a abertura de um inquérito para investigar as declarações do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. A decisão de Celso de Mello atende ao pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.

O objetivo é apurar se foram cometidos por parte do presidente os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) apontam que, como Aras pediu ao Supremo a apuração do crime de denunciação caluniosa e contra a honra, o inquérito pode se voltar contra o próprio Moro, caso as investigações não confirmem as acusações.

Segundo o Estado apurou, além de troca de mensagens com Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça também possui áudios que devem ser entregues aos investigadores.

“Impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de responsabilizá-lo (Bolsonaro), penal e politicamente, pelos atos ilícitos que eventualmente tenha praticado no desempenho de suas magnas funções”, afirmou o decano na decisão. “O presidente da República – que também é súdito das leis, como qualquer outro cidadão –, não se exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha praticado, pois ninguém, nem mesmo o Chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República.”

O decano tem sido uma das vozes mais críticas dentro da Corte ao que considera excessos cometidos pelo chefe do Executivo. Celso de Mello já disse que o presidente “transgride” a separação entre os Poderes, “minimiza perigosamente” a Constituição e não está “à altura do altíssimo cargo que exerce”. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou o ministro em entrevista ao Estado em agosto do ano passado.

Demissão. Ao anunciar a saída do cargo na sexta-feira, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. “O presidente me quer fora do cargo”, disse Moro, ao deixar claro que a saída foi motivada por decisão de Bolsonaro.

Moro falou com a imprensa após Bolsonaro formalizar o desligamento de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal – o ministro frisou que não assinou a exoneração do colega. Segundo Moro, embora o documento de exoneração conste que Valeixo saiu do cargo “a pedido”, o diretorgeral não queria deixar o cargo.

Moro, que aparece assinando a exoneração, afirmou que foi pego de surpresa pelo ato e negou que o tenha assinado. Para ele, a demissão de Valeixo de forma “precipitada” foi uma sinalização de que Bolsonaro queria a sua saída do governo.

“O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas. Imagina se na Lava Jato, um ministro ou então a presidente Dilma ou o ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações”, disse Moro, ao comentar as pressões de Bolsonaro para a troca no comando da PF.