O Estado de São Paulo, n.46214, 28/04/2020. Política, p.A7

 

Juíza dá 48 horas para presidente mostrar exames

Rafael Moraes Moura

Lorenna Rodrigues

28/04/2020

 

 

Decisão atende a pedido judicial do ‘Estado’; Bolsonaro já afirmou que testes para covid-19 deram negativo, mas não os apresentou

O Estado de S. Paulo garantiu ontem na Justiça Federal o direito de obter os testes de covid-19 feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Por decisão da juíza Ana Lúcia Petri Betto, a União terá um prazo de 48 horas para fornecer “os laudos de todos os exames” feitos pelo presidente da República para identificar a infecção ou não pelo novo coronavírus. Bolsonaro já disse que o resultado dos exames deu negativo, mas se recusou até hoje a divulgar os papéis.

“No atual momento de pandemia que assola não só Brasil, mas o mundo, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência. Repise-se que ‘todo poder emana do povo’ (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), de modo que os mandantes do poder têm o direito de serem informados quanto ao real estado de saúde do representante eleito”, escreveu a juíza.

“Portanto, sob qualquer ângulo que se analise a questão, a recusa no fornecimento dos laudos dos exames é ilegítima, devendo prevalecer a transparência e o direito de acesso à informação pública”, concluiu.

Antes mesmo de ser oficialmente notificada, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou à Justiça Federal de São Paulo uma manifestação em que se opõe à divulgação do resultado do exame de Bolsonaro. A AGU diz que o pedido deve ser negado, sob a alegação de que a “intimidade e a privacidade são direitos individuais”.

Após questionar sucessivas vezes o Planalto e o presidente sobre a divulgação do resultado do exame, o Estado entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalística”.

A ação foi assinada pelo advogado Afranio Affonso Ferreira Neto. “Mais do que a liberdade de expressão e o direito de informar, essa decisão garante o direito a receber informação. Um direito que não é titulado pela imprensa, mas pela coletividade”, afirmou Ferreira Neto. “O presidente já disse que testou negativo. Então por que a recusa? Por que a defesa da recusa de não mostrar os comprovantes disso?”, completou.

Para os advogados do jornal, a velocidade de agravamento do quadro sanitário do País “exige informações corretas e precisas a respeito do tema e respostas rápidas e incisivas do Judiciário, especialmente diante da notória postura errática, desdenhosa e negacionista do Presidente da República em relação à pandemia da covid-19”.

Procurado, o Planalto não quis se manifestar sobre a decisão judicial. A AGU informou que vai recorrer.

Testes. Bolsonaro fez o teste para detectar o novo coronavírus nos dias 12 e 17 de março, após voltar dos Estados Unidos. Nas duas ocasiões, informou, via redes sociais, que os testes deram negativo, sem apresentar os resultados.

Pelo menos 23 pessoas que acompanharam o presidente brasileiro na viagem foram diagnosticadas posteriormente com a doença. Entre eles, auxiliares próximos, como o secretário de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

A Presidência se recusou a fornecer as informações ao Estado via Lei de Acesso à Informação, alegando que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.

Decisão

“A recusa no fornecimento dos laudos dos exames é ilegítima, devendo prevalecer a transparência e o direito de acesso à informação pública”

Ana Lúcia Petri Betto

JUÍZA