O Estado de São Paulo, n.46222, 06/05/2020. Política, p.A6

 

'Ramagem na PF afetaria a credibilidade do governo'

06/05/2020

 

 

Depoimento - Sérgio Moro, Ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública

Ex-ministro afirmou que Bolsonaro disse em janeiro que queria nomear Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF

General. Ministro do GSI, Augusto Heleno foi um dos citados por Moro no depoimento à PF

O ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro foi ouvido no sábado, na sede da Polícia Federal em Curitiba. A seguir, os principais trechos do depoimento do ex-juiz da Operação Lava Jato.

INTERFERÊNCIA

Questionado sobre sua definição de interferência política do Poder Executivo em cargos de chefia na Polícia Judiciária, Moro respondeu que “entende que seja uma interferência sem uma causa apontada e portanto arbitrária”.

Inquérito

Bolsonaro e Moro são formalmente investigados no inquérito aberto pelo STF para apurar as acusações do ex-ministro contra o presidente. A indicação do novo diretor da PF para o Rio também é alvo da investigação.

SUPERINTENDÊNCIA DO RIO

Segundo o ex-ministro, durante o período em que esteve à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, “houve solicitações do presidente da República para substituição do superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do diretor-geral da Polícia Federal, e, novamente, do superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente”. Em uma ocasião, Bolsonaro disse, conforme o depoimento: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

DEMISSÃO

O ex-juiz da Lava Jato reafirmou à PF no sábado que a tentativa de interferência política na Polícia Federal o levou a pedir demissão do cargo. Ao anunciar sua saída do governo, o objetivo de seu pronunciamento foi “preservar autonomia da Polícia Federal” e mostrar que a substituição de diretor-geral e de superintendentes foi “sem causa e com desvio de finalidade”.

INDICADO

Moro citou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem como mais um indicativo dessa interferência política.

CRIMES

Indagado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do presidente da República, Moro esclareceu que os fatos ali narrados são verdadeiros, mas não afirmou que o presidente teria cometido algum crime. “Quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito”, declarou Moro, para quem a avaliação quanto à prática de crime “cabe às instituições competentes”.

MAURÍCIO VALEIXO

O ex-ministro relatou que o presidente Jair Bolsonaro “passou a insistir” na substituição do diretor da PF, Maurício Valeixo, e “que essa pressão foi, inclusive, objeto de diversas matérias na imprensa”.

PF

A indicação de Alexandre Ramagem para o comando da PF – a escolha acabou vetada pelo STF – foi alvo de críticas pelo fato de o delegado ser próximo da família Bolsonaro.

ALEXANDRE RAMAGEM

De acordo com o depoimento, em janeiro deste ano, Bolsonaro disse que gostaria de nomear para o comando da corporação o delegado Alexandre Ramagem – na ocasião, disse Moro, “eventualmente o general Heleno se fazia presente e que esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas”. Moro afirmou ainda que o fato de Ramagem manter “ligações próximas com a família do presidente” poderia afetar “a credibilidade da Polícia Federal e do próprio governo, prejudicando até o presidente”, já que, para o exministro, isso seria “uma interferência política na PF”.

INVESTIGAÇÕES

O ex-ministro foi questionado sobre se as trocas solicitadas estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou ao seu grupo político. Moro respondeu que “desconhece”, mas observou que “não tinha acesso às investigações enquanto ainda evoluíam”. Moro repetiu que Bolsonaro “lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”. “A afirmação do presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não é verdadeira”, declarou o ex-juiz no depoimento.

Moro repetiu no depoimento o que já havia declarado, que o presidente Jair Bolsonaro buscava alguém de sua “confiança” na PF para que pudesse “interagir” e obter relatórios de inteligência.

MINISTROS MILIARES

De acordo com Moro, quando Bolsonaro afirmou que demitiria Valeixo, pediu que reconsiderasse, mas que, se isso não ocorresse, ele seria “obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição”. “O presidente lamentou, mas disse que a decisão estava tomada”, afirmou o ex-ministro. Em seguida, Moro declarou que se reuniu com os ministros militares Augusto Heleno, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos para relatar a reunião com Bolsonaro e os pedidos do presidente “de obtenção de relatórios de inteligência da PF”.

GENERAL HELENO

“O ministro Heleno afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido”, mencionou o ex-juiz. Os generais, segundo Moro, “se comprometeram a tentar demover o presidente”, mas logo “vazou” que Valeixo seria substituído. “Saiu a publicação (da exoneração), o que tornou irreversível a demissão.”

Militares Relatórios

Antes do anúncio da demissão de Moro, militares do Planalto tentaram atuar como “bombeiros”, mas Bolsonaro demitiu o diretor da PF e o então ministro deixou o cargo.