Correio braziliense, n. 20841 , 14/06/2020. Política, p.3

 

GDF proíbe manifestações

Darcianne Diogo

Bruna Lima

Maíra Nunes

Juliana Andrade

14/06/2020

 

 

BRASIL EXTREMO » Decreto do governador Ibaneis Rocha proíbe circulação de pessoas e veículos na Esplanada dos Ministérios até 23h59 de hoje. Medida foi em resposta a grupo de bolsonaristas que invadiu área restrita do Congresso Nacional. Manifestante ameaçou o chefe do Executivo local

A ação de um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro levou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), a proibir a circulação de veículos e de pedestres na Esplanada dos Ministérios.Ibaneis Rocha decretou o fechamento total do local após o registro de diversas manifestações nos últimos domingos no espaço, causando aglomerações e levantando pautas antidemocráticas. A proibição vale até as 23h59 de hoje.

No decreto, publicado em edição extra do Diário Oficial do DF, Ibaneis destacou que as manifestações vão contra as medidas sanitárias de combate ao novo coronavírus, aumentando o risco de contaminação. A decisão do governo local levou em consideração a demanda urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública para evitar um crescimento ainda maior da covid-19.

Os ataques inconstitucionais dos movimentos também foram motivos apresentados no decreto, além das “ameaças declaradas por alguns dos manifestantes aos Poderes constituídos”. Mais cedo, o governador do Distrito Federal ficou irritado com as ameaças de apoiadores bolsonaristas, após o desmonte de um acampamento na região central de Brasília. “Não admito ameaças”, disse Ibaneis ao Correio.

De agora em diante, as manifestações na Esplanada dos Ministérios só poderão ocorrer se forem comunicadas, com antecedência, e autorizadas pelo Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Hoje, o acesso aos prédios públicos federais só será permitido a autoridades e servidores públicos federais que estejam em serviço. Todos devidamente identificados. O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran) e o Departamento de Estrada e Rodagem (DER) ficam responsáveis pela organização e fiscalização do trânsito e os órgão de Segurança Pública pela fiscalização do local.

O decreto do GDF foi a resposta a um novo ataque contra o Congresso Nacional, protagonizado pelo grupo autodenominado “300 do Brasil”, ontem, na Esplanada dos Ministérios. No início da tarde, cerca de 20 membros do grupo de apoiadores de Bolsonaro invadiram a plataforma superior do Congresso Nacional, que está interditada. Sem máscara e gritando “acabou, p*” em um megafone, eles chegaram a subir a rampa do prédio pelo lado do Senado Federal. O presidente do Congresso, senador Davi (DEM-AP), determinou a retirada imediata dos manifestantes.

Policiais legislativos retiraram os apoiadores da parte externa do prédio. No entanto, aproximadamente 15 pessoas continuaram sentadas no gramado gritando palavras de ordem contra o Parlamento, o comunismo e o governador Ibaneis Rocha. “O Brasil é nosso”, diziam. Eles carregavam a bandeira do país como “escudo”, nas palavras de um participante, mas não utilizavam as máscaras — equipamento de segurança pessoal e obrigatório em espaços públicos, sob pena de R$ 2 mil para pessoa física e R$ 4 mil para estabelecimentos.

Uma equipe de cerca de 20 policiais legislativos e 25 seguranças montaram uma barreira de segurança em frente ao Congresso para impedir qualquer investida dos manifestantes. “Meu povo de Pernambuco está sofrendo. Temos que lutar pela nossa bandeira. O lugar da bandeira do Brasil é no Congresso”, gritou um dos manifestantes. Bolsonaristas da Bahia também estiveram presentes no ato.

A ativista Sara Winter, investigada no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal, liderava o grupo. “Vocês tiram nossa barraca e a gente tira seu Congresso”, disse a militante, para justificar a invasão do Congresso. Ela também usou as redes sociais para criticar o desmonte do acampamento. “A @pmdfoficial junto a Secretaria de Segurança desmantelou baixo gás de pimenta e agressões. Barracas, geradores, tendas, tudo tomado à força! A Militância bolsonarista foi destruída hoje. Presidente, reaja!!!”, escreveu Winter.

Na manhã de ontem, o grupo precisou desocupar a área pública em que acampavam desde 1º de maio. A operação foi coordenada pela Secretaria de Segurança Pública e pelo DF Legal e visou cumprir um conjunto de leis federais e locais, além do decreto do GDF que proíbe aglomeração por conta da pandemia mundial do coronavírus.

Repercussão

Após a tentativa de invasão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) se juntou ao restante do grupo que permaneceu concentrado ao lado do Ministério da Agricultura. Em um primeiro momento, o parlamentar e filho do presidente era o único apoiador com máscara. No entanto, também tirou o equipamento do rosto após um tempo e chegou a tirar fotos sem a proteção facial. Sem citar a invasão ou o descumprimento da exigência do uso das máscaras, o deputado afirmou que, na segunda-feira (15), vai se reunir com o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) para reclamar “sobre os fatos de hoje e manifesto por respeito à liberdade de expressão”, segundo postou no Twitter. Mais cedo, ainda na rede social, Eduardo defendeu o grupo. “O que essas pessoas estavam fazendo de errado ou ruim para que o governador Ibaneis determinasse sua remoção? Manifestação seguindo protocolos de saúde não desrespeita sequer o decreto distrital”, questionou.

Em nota, o Senado Federal relatou o incidente. “Um grupo denominado 300 do Brasil tentou invadir áreas restritas do Congresso Nacional [...]. Assim que tomou conhecimento do ato, o presidente do Congresso Nacional, senador Davi , determinou que a polícia legislativa fizesse a retirada do grupo”, informou o texto.

No meio da tarde, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) também emitiu nota oficial. “Policiamento ostensivo, acompanhando o evento”, dizia o texto. O Correio apurou que a polícia negociou com os manifestantes para a saída do grupo do gramado a partir das 18h. No horário estipulado, os manifestantes começaram a deixar o local acompanhados pela polícia legislativa.

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Eleitores entre a decepção e o apoio mantido

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

14/06/2020

 

 

Ainda que tenha apoio de quase 30% dos brasileiros, o presidente Bolsonaro assiste a uma erosão contínua e crescente de simpatizantes. Antes favoráveis à gestão do presidente, esses cidadãos passaram a questionar — e muito — a forma de ele governar.

Enquanto nas redes sociais parte de seus eleitores dizem estar arrependidos, no mundo político os aliados  começam a se afastar. Apoiadores históricos de Bolsonaro, sobretudo no Congresso Nacional, passaram a ver com apreensão as ações do chefe do Palácio do Planalto e acreditam que, mantido o atual estilo, a situação vai acabar mal para o Brasil. “Enquanto o país já bateu a marca de 40 mil mortos, temos um presidente que brinca com a vida das pessoas e que cria o caos. Temos um governo extremamente divulgador de cortinas de fumaça e que, em vez de administrar o país, escolheu polemizar”, critica o deputado Delegado Waldir (PSL-GO).

Ex-líder na Câmara do partido que elegeu Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o parlamentar diz que a resposta das ruas contra o presidente é um indicativo de que a população tem receio de um retrocesso político. “Eu já pedi desculpa para o meu eleitor por tê-lo induzido ao erro e escolhido um presidente incapaz de governar. Bolsonaro é um estrategista, mas hoje, as estratégias dele estão destruindo tudo o que foi construído no Brasil ao longo dos últimos 30 anos. Não há como defendê-lo diante desse cenário”, comenta Waldir.

“O maior adversário político do governo Bolsonaro chama-se Jair Bolsonaro. Todo dia ele tem que dizer uma bravata ou uma besteira diferente. O que isso vai gerar ou qual será a consequência, eu vejo com muita preocupação. Estamos em meio a crises na saúde pública e na economia, e ainda teremos uma crise de desemprego. Com o governo mais fragilizado, a tendência é de mais turbulência social”, observa o senador Major Olímpio (PSL-SP).

Para o congressista, a recente aliança de Bolsonaro com os partidos do Centrão, que na última semana motivou a recriação do Ministério das Comunicações e a entrega da pasta ao deputado Fábio Faria (PSD-RN), aumentou a insatisfação do grupo que sempre o apoiou. “Bolsonaro está tendo o mesmo pragmatismo político de todos os antecessores que ele criticou. Isso gera uma rejeição enorme entre aqueles que o apoiavam”, diz Olímpio.

Desgaste institucional

Para a advogada Vera Chemin, especialista em direito constitucional, Bolsonaro queima a própria popularidade não apenas com ações que decepcionam eleitores e provocam animosidade entre os aliados. As frequentes mudanças de ministros em áreas estratégicas têm provocado, segundo ela, a descontinuidade de políticas públicas e o aumento da incerteza dos agentes políticos e econômicos. “Somada a essa conjuntura desequilibrada no seio do Poder Executivo, o presidente provoca conflitos institucionais sérios com o Poder Legislativo e Judiciário. Ele acrescentou mais um dissabor à sua lista, ao ignorar e desprezar a crise sanitária do país. O resultado de tal omissão foi o agravamento progressivo da pandemia, além de ter adquirido fortes nuances de politização da parte de estados e municípios”, analisa.

O problema, para o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é que Bolsonaro não revela sinais de que planeja mudar de rota. “Não entendo que ele tenha a intenção de amainar o discurso de trazer uma palavra de conforto para brasileiros. Não parece que o presidente tenha um elemento de humildade ou de repensar ações. Ele tende, cada vez mais, a dobrar a aposta e caminhar para uma tentativa de constante tensionamento da instituições e da própria democracia”, explica.

A base do presidente tem outra persepectiva. “Essa rejeição por parte da população é apenas momentânea. O Bolsonaro age dessa forma visando o bem do país no futuro. É preciso ter coragem para fazer o que precisa ser feito, mesmo que as pessoas demorem a entender isso. Ele tem ciência de que está se desgastando com determinadas atitudes por agora, mas em um segundo momento vai se beneficiar dessa estratégia”, opina o vice-líder do governo no Congresso, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

Rejeição

No fim de maio, uma pesquisa do instituto Datafolha revelou que 43% dos brasileiros classificam a gestão de Bolsonaro como ruim ou péssima. Outro indicador que revelou a insatisfação dos brasileiros foi o que mediu se o presidente tem capacidade de liderar o Brasil: 52% disseram que não. Já na última sexta-feira, levantamento feito pela XP/Ipespe constatou que o grupo de brasileiros que considera o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo é de 48%. Em ambas pesquisas, a aprovação dele ficou próxima aos 30% (33% de acordo com o Datafolha, e 28% segundo a XP/Ipespe).