Correio braziliense, n. 20842 , 15/06/2020. Política, p.3

 

Weintraub ignora decreto e vai a ato

Bruna Lima

Maíra Nunes

15/06/2020

 

 

BRASIL EXTREMO » Sem máscara, ministro da Educação participa de protesto e afirma a apoiadores que já tinha dado opinião sobre “vagabundos”. Termo foi usado por ele durante reunião ministerial, em ataque a magistrados do STF

Um dia depois de o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), decretar o fechamento da Esplanada dos Ministérios durante o domingo, em razão das “ameaças declaradas por alguns dos manifestantes” que poderiam colocar em risco o patrimônio e a saúde pública, bolsonaristas voltaram a ocupar a Praça dos Três Poderes. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, se reuniu, ontem, pela manhã, com parte dos manifestantes que desrespeitaram a ordem do GDF. O ministro discursou para o grupo em frente ao Ministério da Agricultura.

Cerca de 50 pessoas foram ao QG do Exército e, usando um carro de som, tocaram o Hino Nacional. No entanto, militares que fazem a segurança do órgão pediram para que abaixassem o som, o que provocou indignação do grupo. Parte dos manifestantes resolveu seguir com um buzinaço até a frente do Palácio do Buriti, sede do Executivo local, após serem retirados das imediações do Ministério da Agricultura de maneira pacífica pela Polícia Militar, por descumprir decreto do governador do DF. Irritados, fizeram críticas a Ibaneis, chamando-o de ditador.

Antes, ainda na Esplanada dos Ministérios, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, sem uso de máscara, apareceu para saudar os bolsonaristas. “Já falei minha opinião, o que faria com esses vagabundos” atuantes dos outros Poderes, disse Weintraub, em resposta a um apoiador, em um relato gravado e divulgado nas redes sociais.

Não foi a primeira vez que o ministro da Educação usou o termo ofensivo para tecer críticas ao Judiciário e Legislativo. Em reunião ministerial do dia 22 de abril, disse que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. O tom chulo, que já era motivo de pressão por aliados do Planalto para uma demissão, ameaça ainda mais a posição de Weintraub, que já carrega uma série de processos por falsas acusações e comentários racistas.

Nos bastidores, a aposta é que, com a nova declaração — reiterando o que, em oitiva à Polícia Federal, preferiu não dizer —, o ministro não sobreviva no cargo. Apoiadores pedem a troca, o que pode ser aproveitado por Bolsonaro como forma de fortalecer a aliança com o Centrão, bloco informal do centro e direita. Há, ainda, quem defenda as manifestações.

Além dos ataques aos membros do STF, Weintraub declarou aos apoiadores que “não quer mais” sociólogo, antropólogo e filósofo com “o seu dinheiro”, ou com recursos vindos de impostos, e que preferia investir em médicos e profissionais da saúde. “O ministro está certíssimo. Parabéns”, escreveu nas redes sociais o deputado federal Felipe Barros (PSL/PR), citando a fala de Weintraub. Por outro lado, o senador Humberto Costa (PT) chamou o chefe da pasta de Educação de “um dos maiores irresponsáveis da República”. “Mesmo com o Brasil vivendo uma pandemia, saiu sem máscara e participou de ato com bolsonaristas. Weintraub, mais uma vez, atacou o STF e distribuiu ódio e preconceito.”

A omissão dos órgãos oficiais diante dos ataques explícitos ao Supremo Tribunal Federal (STF), na noite de sábado, provocou uma crise na Polícia Militar do DF. Para contornar a situação, Ibaneis exonerou o subcomandante-geral da PM, Coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, responsável pelo comando geral.

 Frase

“Já falei minha opinião, o que faria com esses vagabundos”

Abraham Weintraub, ministro da Educação, em resposta a um apoiador que protestava contra a corrupção no Brasil

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Protestos esvaziados em São Paulo

Bruna Lima

Maíra Nunes

15/06/2020

 

 

Protestos contra e a favor do presidente Jair Bolsonaro tiveram pouca adesão na tarde fria e com garoa que fez ontem em São Paulo. As duas manifestações foram pacíficas e sem incidentes graves, segundo a Polícia Militar. A maior delas foi a contrária ao governante do país, que reuniu, aproximadamente, mil pessoas. Ainda assim, foi mais tímida do que a realizada no domingo anterior, com a presença de 3 mil adeptos.

Sob gritos de “fora, Bolsonaro” e cartazes a favor da democracia e contra o racismo, o protesto contou com apoio de simpatizantes da causa, políticos e torcedores de futebol. Os manifestantes usaram máscaras para conter a disseminação do novo coronavírus, mas não conseguiram evitar as aglomerações durante a caminhada pela Avenida Paulista.

A avenida, que costuma ser o principal palco de manifestações políticas da capital paulista, foi tomada pelo movimento de oposição ao presidente — como ocorreu no domingo passado com os bolsonaristas. Entre as figuras políticas que participaram do ato em defesa da democracia, estavam a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR); o pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Jilmar Tatto; e Guilherme Boulos (PSOL), que integra a Frente Povo Sem Medo, uma das organizadoras do protesto.

“O que vimos hoje (ontem) e nos atos das últimas semanas é a derrota do fascismo nas ruas brasileiras”, disse Boulos, após a manifestação. O político falou, ainda, sobre o desafio das manifestações pelo receio da covid-19: “Nenhum de nós gostaria de estar nas ruas durante uma pandemia. Fomos obrigados depois de ver gente agredindo enfermeiras, pedindo ditadura e defendendo fechamento do STF e do Congresso.”

União das torcidas

Torcidas organizadas de clubes de futebol rivais também se juntaram na organização do ato. Membros de torcidas de times como Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos participaram unidos das manifestações, que começaram no meio da tarde e se encerraram antes do anoitecer. Após o enfrentamento entre movimentos pró e contra Bolsonaro, na Avenida Paulista, no último dia 31, uma decisão judicial proibiu que manifestações contrárias ocorressem simultaneamente no mesmo local em São Paulo.

O Ministério Público, então, decidiu pelo revezamento dos atos na Avenida Paulista. Por isso, os cerca de 100 manifestantes a favor do presidente da República se reuniram na frente do prédio da prefeitura da capital paulista, no Viaduto do Chá.

Vestidos de verde e amarelo e com estampas militares, os bolsonaristas pediram o fim do isolamento social na pandemia do novo coronavírus, criticaram o governador João Doria e teve quem pedisse uma intervenção militar, com Bolsonaro no poder. Desta vez, o presidente da República não se manifestou sobre os atos.

Nas redes sociais, o governador Doria se limitou a prestar solidariedade ao STF e manifestou o “profundo repúdio aos manifestantes que agridem a democracia brasileira”. “O ataque ao STF e seus ministros neste final de semana envergonha o Brasil. Demonstra a face extremista de manifestantes, que menosprezam instituições e a Constituição”, publicou.